Por decisão unânime, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)
deram provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 565048 e julgaram
inconstitucional norma do Estado do Rio Grande do Sul que, em razão da
existência de débitos tributários, exigia do contribuinte a prestação de
garantia para impressão de documentos fiscais. A matéria tem repercussão geral
reconhecida.
A empresa MAXPOL – Industrial de Alimentos Ltda, autora do RE,
questionava acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que deu
parcial provimento à apelação interposta pelo governo gaúcho. O TJ-RS assentou
que o Fisco, com base em reiterada inadimplência e débito que ultrapasse o
capital social, pode condicionar a autorização para imprimir documentos fiscais
“à prestação de garantia real ou fidejussória, conforme escolha da devedora, a
fim de cobrir operações futuras decorrentes da autorização, cujo valor é
estimado segundo o volume de operações dos últimos seis meses”.
Conforme o acórdão questionado, a empresa possui débito de aproximadamente
R$ 51 mil, valor superior ao capital social de R$ 30 mil. Para o tribunal de
origem, essa diferença representa desequilíbrio e indica a prática de o
contribuinte utilizar nota fiscal como instrumento de captação do dinheiro
público. Assim, o TJ reconheceu a constitucionalidade do parágrafo único do
artigo 42 da Lei estadual 8.820/1989, que submete o contribuinte, quando em
débito, a garantias reais ou fidejussórias para obter autorização de impressão
de talonário de notas fiscais.
Na origem, a empresa impetrou um mandado de segurança contra ato do
diretor do Departamento da Receita Pública Estadual com o objetivo de obter
autorização para impressão de documentos fiscais. A empresa alegava ofensa ao
artigo 5º, incisos XIII, XXXV, LIV e LV, e artigo 170, da Constituição Federal
e sustentava que a imposição de tal exigência configura indevida obstrução no
exercício da atividade econômica.
Relator
O relator do recurso, ministro Marco Aurélio, afirmou ser contrário à
coerção para o pagamento de débito tributário. Para ele, a Fazenda deve buscar
o Poder Judiciário visando à cobrança da dívida, via execução fiscal,
“mostrando-se impertinente recorrer a métodos que acabem inviabilizando a
própria atividade econômica, como é o relativo à proibição de as empresas,
em débito no tocante a obrigações – principal e acessórias –, vir a emitir
documentos considerados como incluídos no gênero fiscal”.
O relator frisou que a lei contestada permite que a administração
pública condicione a autorização de impressão de notas fiscais, em caso de
contribuinte devedor do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS), a prestação de fiança, garantia real ou fidejussória, equivalente ao
débito estimado do tributo relativo ao período subsequente de seis meses de
operações mercantis presumidas. “Em outras palavras, o sujeito passivo é
obrigado a apresentar garantia em virtude de débitos passados, mas calculada
tendo em conta débitos futuros, incertos quanto à ocorrência e ao montante”,
ressaltou.
Segundo o ministro, essas normas vinculam a continuidade da atividade
econômica do contribuinte ao oferecimento de garantias ou ao pagamento prévio
da dívida. “Ante a impossibilidade de impressão de notas fiscais, o
contribuinte encontra-se coagido a quitar pendência sem mais poder questionar o
passivo, sob pena de encerrar as atividades”, salientou, ao acrescentar que “se
trata de providência restritiva de direito, complicadora ou mesmo impeditiva,
da atividade empresarial para forçá-lo a adimplir”.
Para o ministro Marco Aurélio, o Estado não pode privar o cidadão “do
meio idôneo estabelecido no arcabouço normativo e informado pelo princípio da
ampla defesa, o executivo fiscal, para utilizar em substituição a mecanismos
indiretos mais opressivos de cobrança de tributos”. Atuando dessa forma,
prossegue o ministro, o Estado desrespeita o devido processo legal, “tanto na
dimensão processual quanto na substancial”.
Por fim, o ministro avaliou que cabe ao Supremo afastar restrições
excessivas e abusivas, apenas toleráveis em um contexto ditatorial. De acordo
com ele, não há dúvida de que o preceito questionado contraria os dispositivos
constitucionais evocados, ou seja, a garantia do livre exercício do trabalho,
ofício ou profissão e de qualquer atividade econômica, assim como o devido
processo legal. O relator citou, como precedente, o RE 413782.
Dessa forma, o ministro Marco Aurélio deu provimento ao recurso para
deferir a solicitação, assegurando o direito da empresa à obtenção de
autorização para impressão de talonários de notas fiscais, independentemente de
prestação de fiança, garantia real ou outra fidejussória. Ele declarou a
inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 42 da Lei 8.820/1989, do
Estado do Rio Grande do Sul.
Fonte: STF