Foi publicado no De em 17/03/2015 o Acórdão do
RECURSO ESPECIAL Nº 1.396.488 - SC (2013/0252134-1) de relatoria do ministro
Humberto Martins, Segunda Turma cuja Ementa reafirma que:
“PROCESSUAL
CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA.
INCIDÊNCIA DO IPI SOBRE VEÍCULO AUTOMOTOR IMPORTADO PARA USO PRÓPRIO.
IMPOSSIBILIDADE. CONSUMIDOR FINAL. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE”.
(...)
“2.
É firme o entendimento no sentido de que não incide IPI sobre veículo importado
para uso próprio, tendo em vista que o fato gerador do referido tributo é a
operação de natureza mercantil ou assemelhada e, ainda, por aplicação do
princípio da não cumulatividade”; colacionando, inclusive, vários precedentes
do próprio STJ e do STF. (destaque nosso)
Merece destaque, entretanto, a divergência inaugurada
no feito através do voto-vista da ministra Eliana Calmon entendendo que há
incidência do IPI na compra de veículo importado para uso próprio.
Antes, porém, é oportuno lembrar que em recente
decisão (Agra no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 333.428 - RS (2013/0110978-2),
Acórdão De 22/08/2013), a Magistrada manifestou-se nos mesmos termos da tese
aqui vencedora, isto é, pela não incidência do IPI.
Naquela ocasião, a ministra Eliana Calmon na
qualidade de relatora não proveu o agravo regimental e quanto ao mérito, ateve-se
tão somente em colacionar a jurisprudência do Tribunal da tese vencedora, sem,
entretanto, elaborar estudo mais aprofundado como fez em seu voto-vista na
presente decisão.
O acórdão foi seguido pela maioria e sobrestado nos
termos do §1º do art. 543-C do CPC.
Na presente decisão, como dito anteriormente, em seu
voto-vista a ministra Eliana Calmon inaugura a divergência esclarecendo que
todo arcabouço jurisprudencial construído até aqui no que tange a tese
vencedora está baseado nas mesmas razões utilizadas para afastar a incidência
do ICMS nas importações realizadas antes da Emenda Constitucional nº 33/2001;
diz a magistrada:
“Quanto ao
mérito, tem-se que a controvérsia refere-se à possibilidade de incidência do
Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na importação de veículos por
pessoa natural (física) para uso próprio”.
“Os primeiros
precedentes sobre o tema são do STF, nos quais são apresentadas com fundamento
as mesmas razões utilizadas para afastar a incidência do ICMS nas importações
de mercadorias realizadas antes da EC n. 33/2001, que alterou a redação da
alínea 'a' do inc. IX do art. 155 da CF”.
A seguir, colaciona vários precedentes do STF
relativamente ao ICMS, anteriormente à EC 33/2001.
Mais adiante em seu voto-vista, afirma:
“Assim, de
acordo com esses precedentes, o IPI não deve incidir sobre a importação de
veículos por pessoa natural, para uso próprio, pelas seguintes razões”:
“(a) A
incidência do IPI na importação de veículo tem como fato gerador operação de
natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando se tratar
de bem importado por pessoa física para uso próprio”;
“(b) Não sendo comerciante e como tal não
estabelecida, a pessoa física não pratica
atos que envolvam a circulação de mercadoria, impossibilitando a aplicação do
princípio da não cumulatividade do IPI, já que não se pode compensar o que
devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”.
“Este Tribunal
Superior, por sua vez, na esteira dos precedentes do STF, passou a decidir nos
termos seguintes”: (omissão dos julgados)
Dando
prosseguimento ao seu voto-vista, a douta Magistrada abre a divergência nos
seguintes termos:
“Não obstante
referidos precedentes, tenho que a controvérsia sobre a incidência do IPI na
importação de veículo por pessoa natural para uso próprio, à luz da legislação
que particularmente rege a aplicação de referido tributo, carece de
importantíssima reapreciação”.
Neste momento, faz referencias aos artigos. 153 a 156
da Carta Política e menciona que a luz da CF, art. 146, III, 'a', onde em
síntese, o fato gerador e o contribuinte dos impostos devem ser instituídos por
lei complementar.
Caminha dizendo, que os arts. 46 e 51 do CTN- Código
Tributário Nacional recepcionado pela Constituição Cidadã de 1988 com status de lei complementar define os
pressupostos da hipótese de incidência
do IPI.
Faz um breve relato quanto aos fatos geradores e
contribuintes relacionados à temática apresentada, dizendo:
“Entre os três fatos geradores (hipóteses
de incidência) previstos para IPI, o legislador complementar prevê, de modo
bastante objetivo e claro: o desembaraço aduaneiro do produto importado, quando
este for de procedência estrangeira”.
“Da mesma
forma, clara e objetivamente, o legislador complementar prevê, entre os quatro possíveis contribuintes
(sujeitos passivos) do IPI, I - o importador ou quem a lei a ele equiparar”.
Avança, esclarecendo: “Ao indicar o importador como eventual sujeito passivo do IPI, o
legislador buscou diferenciá-lo dos outros possíveis contribuintes: “II - o
industrial ou a quem a lei a ele equiparar” (exerce atividade mercantil); “III - o comerciante de produtos
sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso
anterior” (exerce atividade mercantil);
e “IV - o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão"
(necessariamente não exercente de
atividade mercantil)”.
E
continua:
“A lei não faz
distinção entre pessoa física ou jurídica quando estabelece como possível
contribuinte do IPI o importador ou quem a própria lei a ele equiparar, bem
como não exige que este contribuinte nem o arrematante de produtos
industrializados apreendidos ou abandonados exerçam atividades mercantis à
semelhança do que dispõem implicitamente para o industrial e o comerciante,
estes sim naturalmente envolvidos em atividades comerciais de intermediação de mercadorias”.
“Toda vez que
este fato hipoteticamente previsto na lei criadora do tributo (qual seja o
desembaraço aduaneiro do produto importado, quando este for de procedência
estrangeira), vier a ocorrer (materializando-se no mundo dos fatos), esse fato
se subsumirá àquela norma, dando origem à relação jurídico-obrigacional cujo
objeto corresponde ao pagamento do IPI, onde figurará como sujeito passivo o
importador ou quem a lei a ele equiparar¸ seja ele pessoa natural ou não,
exercente de atividade comercial (mercantil) ou não”.
“O afastamento
da incidência do IPI sobre a importação de veículo para uso próprio por pessoa
natural não encontra razões legais nem principiológicas que o sustentem”.
“(...), a
recorrente apresenta como fundamentos de sua pretensão precedentes do STF e
deste Tribunal Superior cujas premissas são as seguintes”:
“a) a incidência do IPI na importação de veículo tem como fato gerador
operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto
quando se tratar de bem importado por pessoa natural para uso próprio”; e
“b) não sendo comerciante e como tal não estabelecida, a pessoa natural
não pratica atos que envolvam a circulação de mercadoria, impossibilitando a
aplicação do princípio da não cumulatividade do IPI, já que não se pode
compensar o que devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”.
“A premissa
constante do item 'a', data vênia, não merece amparo, pois o Código Tributário
Nacional apresenta como possíveis sujeitos do IPI não somente industriais ou
comerciantes como também pessoas que podem não ostentar essas qualidades. É o
que se constata da leitura dos incisos I e IV, em comparação com os incisos II
e III, todos do art. 51 do CTN a seguir transcrito”: (omitimos)
“A intenção do
legislador foi estabelecer uma diferenciação entre aquele que exerce atividade
mercantil ou comercial e aqueles que assim não atuam, mas que podem se submeter
à sujeição passiva do IPI”.
“É o caso do
arrematante de produtos industrializados apreendidos ou abandonados, levados a
leilão. Não importa se o arrematante seja pessoa física ou jurídica, industrial
ou não, comerciante ou não, pois, se realizar o fato previsto na norma como
suficiente e necessário à incidência da lei do IPI, qual seja a arrematação de produtos
industrializados apreendidos ou abandonados, será incluído no polo passivo da
relação jurídico-tributária correspondente, e obrigado ao cumprimento da
prestação que, por sua vez, consiste no dever de pagar referido tributo”.
“O mesmo ocorre
quanto importador ou quem a lei a ele equiparar. Não importa se o importador
seja pessoa física ou jurídica, industrial ou não, comerciante ou não, pois, se
realizar o fato previsto na norma como suficiente e necessário à incidência da
lei do IPI, qual seja o desembaraço aduaneiro do produto importado, quando este
for de procedência estrangeira, será incluído no polo passivo da relação
jurídico-tributária correspondente, e obrigado ao cumprimento da prestação que,
por sua vez, consiste no deve de pagar o referido tributo”.
Ao sustentar o seu ponto de vista em virtude da tese
esgrimida, a ministra menciona alguns julgados no mesmo sentido, dizendo:
“A propósito,
em tema semelhante ao dos autos, esta Segunda Turma já se manifestou diversas
vezes no sentido de que o caráter industrial do importador não se apresenta
como imprescindível para a incidência do IPI”. Confira-se:
PROCESSUAL
CIVIL. TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. SÚMULA N.
284/STF. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. LIMITES DA
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. IPI. IMPORTAÇÃO DE EQUIPAMENTO MÉDICO DESTINADO
A USO PRÓPRIO DO ESTABELECIMENTO IMPORTADOR NÃO INDUSTRIAL. INCIDÊNCIA.
(...)
3.
É legítima a cobrança do IPI incidente na importação sobre a operação referente
ao equipamento médico destinado ao uso próprio do estabelecimento importador
ainda que não industrial. Precedentes: AgRg no REsp 1240117 / PR, Segunda
Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 20.10.2011; AgRg no REsp 1241806
/ PR, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24.05.2011; REsp
794352 / RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 17.12.2009; REsp
1026265 / RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 16.06.2009;
REsp 497014 / RN, Primeira Turma, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em
04.05.2004.
4.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp
1369395/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
05/11/2013, DJe 12/11/2013)
PROCESSUAL
CIVIL. TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. DEVIDO
ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES RECURSAIS. INCIDÊNCIA DO IPI SOBRE IMPORTAÇÃO.
EQUIPAMENTO MÉDICO. ESTABELECIMENTO IMPORTADOR NÃO INDUSTRIAL. POSSIBILIDADE.
ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ.
1.
Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na
medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões
abordadas no recurso.
2.
O STJ tem entendimento pacífico no sentido de que o imposto sobre produtos
industrializados tem como fato gerador o seu desembaraço aduaneiro nas
operações de importação, conforme disposto no art. 46, inciso I, do CTN, e que
a qualidade de contribuinte é atribuída à figura do importador não industrial,
por equiparação, nos moldes do art. 51, inciso I, também do Codex Tributário.
Incidência da Súmula 83/STJ.
3.
Precedentes: AgRg no REsp 1241806/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma,
julgado em 24.5.2011, DJe 30.5.2011; REsp 1078879/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, Segunda Turma, julgado em 14.4.2011, DJe 28.4.2011; AgRg no REsp
1141345/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, julgado em 15.3.2011,
DJe 25.3.2011; REsp 794.352/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado
em 17.12.2009, DJe 10.2.2010; REsp 1026265/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda
Turma, julgado em 16.6.2009, DJe 29.6.2009. Agravo regimental improvido. (AgRg
no REsp 1240117/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em
20/10/2011, DJe 27/10/2011)
PROCESSUAL
CIVIL E TRIBUTÁRIO. ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. PREQUESTIONAMENTO.
SÚMULA 211/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO. NÃO CONFIGURADO.
IPI. PRODUTO INDUSTRIALIZADO DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA. IMPORTAÇÃO. SOCIEDADE
CIVIL PRESTADORA DE SERVIÇO MÉDICO. IRRELEVÂNCIA DA FINALIDADE A QUE SE DESTINA
O PRODUTO.
(...)
5.
Em consonância com as normas constitucionais dos arts. 146, III, "a",
c/c 153, IV, da Constituição da República, o art. 46 do Código Tributário
Nacional define as hipóteses de incidência do IPI.
6.
A legislação complementar não exorbita o âmbito constitucional do imposto ao
prever a incidência do IPI no desembaraço aduaneiro, quando o produto for de
procedência estrangeira, como também ao atribuir à figura do importador, não
industrial, a qualidade de contribuinte (arts. 51, I, do CTN, e 23, I, do
Decreto 2.637/98), já que foi preservado o critério material da existência de
operação relativa a "produto industrializado". Precedente da Primeira
Turma: REsp 216.217/SP, Rel. Min. José Delgado.
7.
Da mesma forma, são irrelevantes "as finalidades a que se destine o
produto ou o título jurídico a que se faça a importação ou de que decorra a
saída do estabelecimento produtor (Lei nº 4.502, de 1964, art. 2º, § 2º)"
(Decreto 2.637/98, art. 36).
8.
O IPI tem caráter fortemente extrafiscal, constituindo instrumento de política
econômica; logo, a tributação no caso em tela surge como mecanismo de proteção
ao fisco contra fraudes e instrumento de preservação da isonomia e equidade no
comércio internacional.
9.
Recurso especial conhecido em parte e não provido. (REsp 794352/RJ, Rel.
Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 10/02/2010)
Segue
no sentido divergente da tese do relator, afirmando:
“De outra
parte, quanto à premissa do item “b” supramencionado, sustenta a recorrente que
“a exigência do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI no caso de
importação de bem por pessoa física, para uso próprio, violaria o princípio da
não cumulatividade, eis que à pessoa física não seria possível à compensação
posterior do tributo recolhido” (fl. 291, e-STJ).
“A alegação não
prospera, pois nem todas as hipóteses de incidência (fatos geradores) do IPI
encontram-se relacionados a situações de intermediação de mercadorias aptas a
autorizar a técnica da não cumulatividade”.
“Não se
desconhece que o legislador complementar dispõe que o IPI será não cumulativo,
compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas
anteriores, ou seja, que o montante devido deve resultar “da diferença a maior,
em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do
estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados” (art. 49 do
CTN)”.
“Contudo, o
art. 49 do CTN deve ser aplicado somente quando for possível, como, por
exemplo, em situações de intermediação de mercadorias. Não fosse assim, o
simples arrematante de produtos industrializados apreendidos ou abandonados,
levados a leilão (art. 51, IV, do CTN), na qualidade de pessoa física ou
jurídica, jamais poderia ser considerado como sujeito passivo IPI, a não ser
quando os bens arrematados fossem para posterior comercialização da mercadoria
ou inserção em processo de industrialização”.
“Registre-se
que essa ressalva – necessidade do exercício de atividade de intermediação de
mercadorias ou inserção e processo de industrialização - inexistem tanto para o arrematante como para o importador, conforme
se constata da leitura dos incisos I e IV do art. 51, I e IV do CTN, (...)”
“Assim, a
alegação de suposta violação a não cumulatividade prevista no art. 49 do CTN
não merece prosperar, pois da interpretação sistemática que se faz entre aquele
dispositivo legal e o art. 51, I, extrai-se que, na hipótese dos autos –
importação de produtos industrializados por pessoa natural, não comerciante e
nem industrial – o exercício de atividade de intermediação de mercadoria não se
apresenta como requisito indispensável à incidência do IPI na hipótese prevista
no art. 46, I, do CTN: o desembaraço aduaneiro do produto industrializado,
quando de procedência estrangeira”.
“Note-se que,
se o raciocínio fosse diverso, ilegítima também seria a cobrança do IPI incidente na importação sobre a operação de
importação de equipamento médico destinado ao uso próprio do estabelecimento
importador, contrariando o entendimento firmado por esta Segunda Turma,
conforme visto nos precedentes supramencionados”.
“Portanto, a
possibilidade de compensação de créditos tributários na sistemática da não cumulatividade
prevista no art. 49 do CTN não é requisito indispensável para a incidência do
IPI”.
“Alega a
recorrente, ainda, violação aos 4º, I, 35, I, 'b', e 40, IV, da Lei n.
4.502/64, a seguir transcritos”: (omissão)
A alegação não
merece prosperar, pois a referida norma, ao equiparar o importador e o
arrematante a estabelecimento produtor, assim o faz justamente para afastar
qualquer alegação de que o importador e o arrematante dever ser,
necessariamente, industriais ou comerciantes.
Corrobora essa
conclusão o comando descrito no parágrafo único, inc. IV, do art. 40 da Lei n.
4.502/64, no sentido de que "são
irrelevantes para excluir a responsabilidade de cumprimento da obrigação ou a
decorrente de sua inobservância”: (...) IV - a inabitualidade no exercício da atividade ou na prática dos atos que
deem origem, à tributação ou à imposição da pena.
A
ministra finaliza o seu voto-vista com as seguintes ponderações:
“Por fim,
apenas para completar o raciocínio, ou seja, em obter dictum, registre-se que
acolher entendimento em sentido contrário ao desenvolvido acima contraria, no
mínimo, o princípio da igualdade tributária entre as indústrias nacionais e
estrangeiras, pois, enquanto a aquisição de um veículo em território nacional
há a incidência do IPI, em prevalecendo a tese da recorrente, o mesmo negócio
jurídico realizado com a importação do bem afastaria a incidência de referido
tributo, conferindo verdadeira vantagem econômica às empresas estrangeiras em
completo detrimento da economia nacional”.
“Não se pode
olvidar que o tributo ora em análise, qual seja o IPI, em razão do seu caráter extrafiscal e estabilizador,
representa inegável instrumento de regulação econômica posto à disposição do
Estado para alcançar ou manter um elevado nível de emprego, uma razoável
estabilidade no nível de preços, equilíbrio na balança de pagamentos e uma taxa
aceitável de crescimento econômico”.
“Sobre o tema,
trago à colação os ensinamentos doutrinários de Luís Eduardo Schoueri (in
Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 32-33), nos termos seguintes”:
“O estudo do
dilema entre eficiência e equidade apresenta-se no centro das investigações
acerca das funções do tributo e do orçamento. Ao se examinar a evolução da
tributação, percebe-se que a tributação ganha, no cenário contemporâneo,
redobrada importância. Afinal, se é verdade que o tributo se tornou a principal
fonte de recursos para o Estado cumprir suas finalidades, não é menos certo que
a própria tributação produza efeitos sobre a economia, seja gerando novas
distorções, seja como instrumento para atingir as finalidades estatais,
merecendo, destarte, instrumentos de controle e correção. O direito não pode
desconsiderar este aspecto. Com efeito, o cumprimento das funções fiscais é,
primeiro, objeto da análise do orçamento público: por meio daquela peça se
apurarão os recursos financeiros destinados e reservados para cada uma das
finalidades governamentais. O tributo, na função arrecadadora, tem uma relação
mediata com as funções fiscais, tendo em vista que é o meio mais relevante para
a obtenção de recursos financeiros pelo Estado. Caberá ao jurista, neste ponto,
investigar se os recursos orçamentários são arrecadados e aplicados na forma da
lei. (...) Paralelamente, pode-se apontar no tributo uma relação imediata com
aquelas funções, quando se tem em conta sua função indutora de comportamentos.
Esta característica impõe que se perceba que o tributo tem várias funções. Ao lado
da mais óbvia – a arrecadadora – destacam-se outras, comuns a toda a atividade
financeira do Estado (receitas e despesas): a função distributiva, alocativa
(indutora) e estabilizadora. Ao afetar o comportamento dos agentes econômicos,
o tributo poderá influir também haverão de ser consideradas na análise da
tributação. Ao tributar, o Estado acaba por produzir efeitos na economia. Tais
efeitos apontam como: - distributivos: quando se tem em conta que é possível,
com a tributação, redistribuir a renda, tirando mais de uns e aplicando mais em
favor de outros. No Estado Social, a redistribuição visa à redução de
desigualdades sociais; - alocativos: quando se tem em conta que a própria
incidência do tributo não é neutra sobre a economia, pois acaba por ter reflexos
na forma como a totalidade dos recursos é dividida para utilização no setor
público e no setor privado. Reflexo da função alocativa, tem-se indução de
comportamentos. Afinal, a tributação se vincula a comportamentos humanos e a
incidência tributária passa a ser um fator a ser considerado na própria decisão
do agente econômico; - estabilizadores: quando se tem em conta que a política
fiscal deve ser formulada objetivando alcançar ou manter um elevado nível de
emprego, uma razoável estabilidade no nível de preços, equilíbrio na balança de
pagamentos e uma taxa aceitável de crescimento econômico.”
“Ainda sobre o
tema, Luciano Amaro (in Direito tributário brasileiro. 18ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 110-111) leciona que: Segundo o objetivo visado pela lei de
incidência seja (a) prover de recursos a entidade arrecadadora ou (b) induzir
comportamentos, diz-se que os tributos têm finalidade arrecadatória (ou fiscal)
ou finalidade regulatória (ou extrafiscal). Assim, se a instituição de um
tributo visa, precipuamente, a abastecer de recursos os cofres públicos (ou
seja, a finalidade da lei é arrecadar), ele se identifica como tributo de
finalidade arrecadatória. Se, com a imposição, não se deseja arrecadar, mas
estimular ou desestimular certos comportamentos, por razões econômicas,
sociais, de saúde etc., diz-se que o tributo tem finalidades extrafiscais ou
regulatórias. A extrafiscalidade, em maior ou menor grau, pode estar presente
nas várias figuras impositivas”.
O voto-vista divergente inaugurado pela ministra
Eliana Calmon é substancioso e de uma clareza técnica argumentativa
importantíssima que poderá contribuir para o deslinde da questão junto ao
Supremo Tribunal Federal, onde a temática já se encontra na fase de julgamento.
No Pretório Excelso, o julgamento do tema com
reconhecimento da repercussão geral já está em andamento através do RE
723.651/PR com a manifestação do voto do relator do ministro Marco Aurélio
favorável à incidência do IPI nas operações de importação de veículos automotores, por
pessoa física, para uso próprio; mas suspenso com o pedido de vista do
ministro Luís Roberto.
Vale lembrar, que na tribuna do Pleno do STF, o representante da Fazenda
Nacional argumentou que o princípio da não cumulatividade não pode ser aplicado
ao consumidor final. Afirmou ainda que o IPI incide sobre o produto pelo fato
de ser industrializado e o fato de a cobrança ocorrer na importação se dá
unicamente porque no país de origem o bem, por ser destinado à exportação,
deixou de ser tributado. Segundo ele, a não incidência do tributo representaria
desvantagem para toda indústria nacional, pois o mesmo raciocínio poderia ser
aplicado a qualquer produto importado por pessoa física.
O ministro relator Marco Aurélio ao negar
provimento ao RE observou que, embora a Constituição Federal estabeleça a
imunidade do IPI para produtos exportados, o mesmo não ocorre em relação aos
produtos importados. Destacou, ainda, não haver no texto constitucional
qualquer distinção entre o contribuinte do imposto, se pessoa física ou
jurídica, não sendo relevante o fato de o importador não exercer o comércio e
adquirir o bem para uso próprio.
O ministro afastou o argumento da bitributação, pois segundo a
jurisprudência do STF, o princípio da não cumulatividade só pode ser acionado
para evitar a incidência sequencial do mesmo tributo, mas como se trata de
importação de bem para uso próprio, caso ele venda o produto posteriormente,
não haverá nova incidência do IPI. “O princípio da não cumulatividade não pode
ser invocado para lograr-se, de forma indireta, imunidade quanto à incidência
tributária”, sustentou.
Neste diapasão, salientou que políticas de
mercado visando à isonomia devem estimular a circulação do produto nacional,
sem prejuízo do produto de origem estrangeira. Mas observa que a natureza da
incidência do IPI é sobre os produtos industrializados e não sobre a produção,
e a não incidência do imposto sobre os produtos importados acarretaria
tratamento desigual em relação à produção nacional, pois a prática
internacional é a da desoneração da exportação. No entendimento do ministro, a
isenção do imposto representa sério fator de ameaça à livre concorrência, com
prejuízos à economia nacional, pois quem importasse diretamente levaria
vantagem em relação aos que comprassem no mercado interno.
“Então, a
toda evidência, a cobrança do tributo, pela vez primeira, não implica o que
vedado pelo princípio da não cumulatividade, ou seja, a cobrança em cascata”
sustentou o relator.
É possível que ainda neste primeiro semestre tenhamos uma definição do
julgamento, e ao meu sentir, em virtude dos fundamentos lançados; com todas as
vênias de opiniões contrárias, entendo que o posicionamento do voto dissidente
da ministra Eliane Calmon do STJ e do voto do ministro relator Marco Aurélio do STF encontram
maior sintonia teleológica com os preceitos contidos na norma, ou seja, comungo
com a tese da incidência do IPI nas operações de importação de veículos
automotores, por pessoa física, para uso próprio.