É o que se depreende do voto
vendedor – conciso, mas substancioso - do Conselheiro Carlos Eduardo Almeida
Guerreiro do CARF – Processo nº 10680724392/2010.8, R.V., Provido por Maioria
de Voto, Acórdão nº 1101-00.708, 1ª Câmara/1ª Turma Ordinária, julg.
11.04.2012), que considerou legal a operação efetuada pela Gerdau ao proceder à
compensação tributária do ágio na reestruturação societária entre empresas do mesmo
grupo econômico (ágio interno), discordando da relatora Edeli Pereira Bessa.
Aduz Guerreiro em seu voto “Na sua essência, a situação que subjaz ao
lançamento é a seguinte: 1º) a empresa "A", controladora de
"B", subscreve e integraliza capital na empresa "C",
utilizando ações de "B"; 2°) na integralização, as ações de
"B" são recebidas por "C" por valor maior do que o valor
patrimonial, sendo a diferença justificada por laudo de avaliação, em razão de expectativa
de resultado futuro; 3°) com a integralização, a empresa "A" apura
ganho de capital pela alienação do controle de "B" e a empresa
"C" registra ágio pela aquisição a valor maior do que o valor
patrimonial das ações que adquiriu; 4°) a empresa "B" (controlada)
incorpora a empresa "C" (controladora) e passa a contabilizar a
amortização do ágio”.
Segue em seu voto “No dizer
da fiscalização "o registro contábil e a amortização desse ágio são indevidos,
por se tratar de ágio gerado internamente, ou seja, dentro de um grupo de sociedades
sob controle comum".” Diz, ainda,
"se estivéssemos diante de
verdadeiro ágio, os efeitos fiscais dessa amortização estariam amparados no
art. 7° da Lei 9.532/97". Em contrapartida, a fiscalização diz que
o ganho de "A" é artificial e sem suporte econômico. Por fim, afirma
que, no caso concreto, a empresa "C" é uma empresa veiculo cuja
característica é "sua breve
existência, com o intuito único de transportar o ágio para torná-lo dedutível
para fins fiscais".
“Em resumo, considerando a situação genérica
descrita inicialmente, conforme a fiscalização, se a empresa "C" for
do mesmo grupo que a empresa "A", não é admissível que "C" contabilize o ágio, por ser "ágio interno". Em
decorrência, a amortização feita por "B" após a incorporação de
"C" deve ser glosada”.
“Assim, sendo "ágio interno", a fiscalização entende que "a irregularidade é a utilização de um artifício
contábil sem suporte econômico (registro de ágio interno), na tentativa de
aplicar o tratamento previsto na legislação para o verdadeiro ágio".”
Os argumentos da fiscalização trazidos aos autos
basearam-se nos ensinamentos de Jorge Vieira da Costa Júnior e Eliseu Martins ao
afirmarem que "à luz da teoria da contabilidade é inadmissível o
surgimento de ágio em uma operação realizada dentro de um mesmo grupo econômico",
por não haver independência no
processo negocial e não acarretar ingresso de novos recursos para o grupo”; constante do Manual de Contabilidade
por Ações da FIPECAFI; do Novo manual de Contabilidade Societária da FIPECAFI; das
normas da CVM de 2007, e pronunciamentos recentes do CPC que repudiam o
reconhecimento do ágio interno; que em síntese traz “a operação não implica em ingresso de recursos, por não haver
pagamento, de sorte que é artificial e não há substrato econômico para admitir
o ágio; e finalmente que a instrução CVM n° 319 de 1999 admite a amortização do
ágio, mas ela trata do "autêntico
ágio", que ocorre quando há pagamento efetivo deste ágio”.
O insigne Conselheiro rebate tais
argumentações sustentado que “Porém, constata-se que a fiscalização, ao retratar
a posição desses respeitáveis autores, registrou apenas parte do que eles
defendem. Como se demonstra em seguida, ao contrário do que entendeu a
fiscalização, os autores citados afirmam que, mesmo em caso de operações dentro
do grupo, para fins fiscais, surge o ágio e ele pode ser amortizado pela
empresa "B". Ou seja, esses especialistas reconhecem expressamente o
ganho tributário da operação e a tratam como caso de elisão (planejamento
tributário)”.
“Na verdade, as manifestações contrárias ao ágio
interno que essas autoridades emitem se referem apenas ao
aspecto contábil e não ao aspecto legal-tributário. Ou seja,
Jorge Vieira da Costa Júnior e Eliseu Martins reconhecem expressamente o
ganho tributário, mas não admitem que a contabilidade retrate o ágio nascido de
operações entre as empresas do grupo”. (grifamos)
“O mesmo acontece em relação às transcrições da CVM
e CPC. As normas da CVM e pronunciamentos do CPC estão preocupadas apenas com a
questão contábil, não tendo (e nem poderia ter) qualquer efeito na questão
tributária”.
Com as
vênias de estilo, no caso concreto, a fiscalização cometeu erro crasso, visto
não ter atentado para o art.109 do CTN que proíbe a utilização de princípios do
direito privado para definir efeitos tributários.
Guerreiro,
cita, ainda, com regra para a amortização do ágio o art. 385 do RIR1 1999, reprodução
do art. 20 do Decreto-lei n 1.598, de 1997 e salienta que “Tanto faz que a aquisição decorra de uma compra, ou decorra da aceitação
que a subscrição seja feita por entrega de quotas/ações, recebidas por valor
acima do valor patrimonial. A aquisição é gênero, do qual a compra ou a troca,
por exemplo, são espécies”.
Ao tratar
do fundamento econômico, diz Guerreiro “...
ele decorre das situações previstas no art. 20, § 22, Decreto-Lei n2 1.598, de 1977.
É também um grave erro confundir fundamento econômico com pagamento.
Também está equivocado limitar a existência de fundamento econômico às
operações com terceiros estranhos ao grupo econômico.”; e conceitua-os com
sendo: “Pagamento é a contrapartida da
compra e venda uma das formas de aquisição da participação. Fundamento econômico
do ágio é a razão de ser da
mais valia sobre o valor patrimonial. O fato de a operação ser entre empresas
do grupo não altera a mais valia das ações negociadas”.
Neste
aspecto, aduz, ainda, que “De fato,
apesar de a fiscalização alegar a inexistência de fundamento econômico, ela o
faz se referindo ausência de pagamento por terceiros, já que a aquisição foi por
meio de aceitação das ações/quotas da investida como integralização de capital
entre empresas do mesmo grupo. Assim, o Fisco duvida do fundamento econômico, por
confundir fundamento econômico com pagamento de terceiro estranho ao
grupo, e não faz qualquer esforço para infirmar o laudo que é o instrumento legal que garante o
fundamento econômico nos termos exigidos pela legislação fiscal”.(Grifamos)
Por fim,
diz Guerreiro, “De qualquer modo, fica
evidenciado os equívocos teóricos constante da autuação: 1º) limitar o conceito
de aquisição ao de compra; 2°) confundir fundamento econômico do ágio com
pagamento de compra ou entrega de ações, por terceiros estranhos ao grupo. Sem
mencionar a pretensão de impor para fins fiscais percepções de cunho exclusivamente
contábil”.
“Por meio desses enganos e da leitura incompleta de
autoridades da Área Contábil, a fiscalização criou uma falsa distinção entre um
ágio
autêntico, que
desfruta do amparo dos arts. 7º e
8º da lei na 9.532, de 1997, e um ágio artificial, que deixaria de ser alcançado pelos
dispositivos citados. Mas, como se vê essa distinção não existe para fins fiscais,
nem é admitida pela legislação, e sequer é aceita pelos autores citados no que
tange à tributação”.
Carlos Eduardo Almeida Guerreiro para
dar mais robustez ao arcabouço jurídico de seu voto traz, ainda, alguns esclarecimentos
cujos títulos são os seguintes: DIREITO TRIBUTÁRIO. ABUSO DE DIREITO. LANÇAMENTO; PLANEJAMENTO
TRIBUTÁRIO. ELISÃO. EVASÃO.; ELISÃO.; SEGURANÇA JURÍDICA.
Digno de nota.
O CARF é composto por representantes
conselheiros dos contribuintes e da Receita Federal. Guerreiro representa o
fisco. Mas nem por isso defende arbitrariedades ou desmandos impostos pela
fiscalização da Instituição que pertence. Afirma em seu voto “Não há base no sistema jurídico brasileiro
para o fisco para afastar a incidência legal, sob a alegação de entender estar
havendo abuso de direito”.
A seguir é reproduzida a Ementa do
citado Acórdão:
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A
RENDA DE PESSOA JURÍDICA - IRPJ
Ano-calendário: 2005, 2006, 2007, 2008
ÁGIO. REQUISITOS DO ÁGIO.
O art. 20 do Decreto-Lei n° 1.598, de 1997,
retratado no art. 385 do RIR11999, estabelece a definição de ágio e os
requisitos do ágio, para fins fiscais. O ágio é a diferença entre o custo de
aquisição do investimento e o valor patrimonial das ações adquiridas. Os
requisitos são a aquisição de participação societária e o fundamento econômico
do valor de aquisição.
Fundamento econômico do ágio é a razão de ser da
mais valia sobre o valor patrimonial. A legislação fiscal prevê as formas como
este fundamento econômico pode ser expresso (valor de mercado, rentabilidade
futura, e outras razões) e como deve ser determinado e documentado.
ÁGIO INTERNO.
A circunstância de a operação ser praticada por
empresas do mesmo grupo econômico não descaracteriza o ágio, cujos efeitos
fiscais decorrem da legislação fiscal. A distinção entre ágio surgido em
operação entre empresas do grupo (denominado de ágio interno) e aquele
surgido em operações entre empresas sem vinculo, não é relevante para fins
fiscais.
ÁGIO INTERNO. INCORPORAÇÃO REVERSA. AMORTIZAÇÃO.
Para fins fiscais, o ágio decorrente de operações
com empresas do mesmo grupo (dito ágio interno), não difere em nada do
ágio que surge em operações entre empresas sem vinculo. Ocorrendo a
incorporação reversa, o ágio poderá ser amortizado nos termos previstos nos
arts. 7° e 8° da Lei n° 9.532, de 1997.
ASSUNTO: NORMAS GERAIS DE
DIREITO TRIBUTÁRIO
Ano-calendário: 2005, 2006, 2007, 2008
ART. 109 CTN. ÁGIO. ÁGIO INTERNO.
É a legislação tributária que define os efeitos
fiscais. As distinções de natureza contábil (feitas apenas para fins contábeis)
não produzem efeitos fiscais. O fato de não ser considerada adequada à
contabilização de ágio, surgido em operação com empresas do mesmo grupo, não
afeta o registro do ágio para fins fiscais.
DIREITO TRIBUTÁRIO. ABUSO DE DIREITO. LANÇAMENTO.
Não há base no sistema jurídico brasileiro para o
Fisco afastar a incidência legal, sob a alegação de entender estar havendo
abuso de direito. O conceito de abuso de direito é louvável e aplicado pela
Justiça para solução de alguns litígios. Não existe previsão de o Fisco
utilizar tal conceito para efetuar lançamentos de oficio, ao menos até os dias
atuais. O lançamento é vinculado à lei, que não pode ser afastada sob alegações
subjetivas de abuso de direito.
PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. ELISÃO. EVASÃO.
Em direito tributário não existe o menor problema
em a pessoa agir para reduzir sua carga tributária, desde que atue por meios
lícitos (elisão). A grande infração em tributação é agir intencionalmente para
esconder do credor os fatos tributáveis (sonegação).
ELISÃO.
Desde que o contribuinte atue conforme a lei, ele
pode fazer seu planejamento tributário para reduzir sua carga tributária. O
fato de sua conduta ser intencional (artificial), não traz qualquer vicio.
Estranho seria supor que as pessoas só pudessem buscar economia tributária lícita
se agissem de modo casual, ou que o efeito tributário fosse acidental.
SEGURANÇA JURÍDICA.
A previsibilidade da tributação é um dos seus
aspectos fundamentais.