Recuperação de Créditos Tributários -Planejamento Patrimonial Familiar - Regularização de Imóvel
14/07/2025
09/07/2025
A Holding Familiar e a Desconsideração da Personalidade Jurídica.
1. Introdução
O art. 50 do Código Civil (CC), com redação dado e ampliado pelo art. 7º da Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), intitulado no meio jurídico de “Teoria Maior”, regula a desconsideração da personalidade jurídica, permitindo ao juiz afastar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica em casos de abuso, alcançando o patrimônio de sócios ou administradores, ou, na desconsideração inversa, responsabilizando a pessoa jurídica por obrigações dos sócios.
No contexto de holdings familiares, estruturas societárias destinadas à gestão patrimonial, planejamento sucessório e otimização tributária, o dispositivo assume relevância devido ao risco de desvio de finalidade, confusão patrimonial e outros atos ilícitos.
É com base em tais premissas que analisaremos o dispositivo legal mencionado que trata do assunto.
2. Análise do Caput do Art. 50 do Código Civil
O Art. 50 do CC, reza que "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso."
2.1 Alcance
O caput consagra o que no meio jurídico é denominado de “Teoria Maior” da desconsideração, exigindo prova de abuso da personalidade jurídica, caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
A desconsideração é uma medida excepcional que afasta a autonomia patrimonial garantida pelo art. 1052 do CC, ou seja, "Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social."
Saliente-se que a Lei da Liberdade Econômica estabelece princípios que promovem a livre iniciativa e limitam a intervenção estatal.
É o caso do art. 2º, inciso III, da Lei nº 13.874/2019 ("a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas"), a norma trouxe a diretriz de que o Estado só deve intervir quando estritamente necessário, como em situações de fraude ou violação da ordem pública, sendo uma medida excepcional para evitar interferências desproporcionais na autonomia privada; daí a necessidade de provas robustas para o enquadramento da desconsideração da personalidade jurídica e sedimentado pela jurisprudência vigente, em especial a do STJ - Superior Tribunal de Justiça.
2.2. Exemplo Prático
Uma holding familiar é criada somente para transferir imóveis do patriarca, evitando a penhora em uma execução trabalhista, sem atividade econômica real.
Observe que houve o desvio de finalidade e o princípio basilar da boa fé; neste caso, o juiz, a requerimento do credor, poderá, por meio de provas robustas, desconsiderar a personalidade jurídica da holding com base no art. 50 do CC, alcançando o patrimônio do patriarca, que se beneficiou diretamente do abuso.
2.3 Jurisprudência do STJ
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar em 17.03.25 o Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial - AgInt no AREsp 2139331 / MS da relatoria do Ministro Marco Buzzi, publicado no DJEN em 24.03.25, ratificou o entendimento quanto a necessidade de provas robustas para a desconsideração da personalidade jurídica prevista no art. 50 do CC, conforme Ementa:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO MONITÓRIA - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECLAMO DA PARTE ADVERSA. INSURGÊNCIA DO AUTOR.
1. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a desconsideração da personalidade jurídica a partir da Teoria Maior (art. 50 do Código Civil) exige a comprovação de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pelo que a mera inexistência de bens penhoráveis ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa não justifica o deferimento de tal medida excepcional. Precedentes.
2. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 2.139.331/MS, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 17/3/2025, DJEN de 24/3/2025.)
3. Análise do § 1º do Art. 50 do Código Civil
O § 1º do Art. 50 do CC determina que: "Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza."
3.1. Alcance
O § 1º define desvio de finalidade como o uso intencional da pessoa jurídica para lesar credores ou praticar atos ilícitos, como sonegação fiscal, fraude em partilha de bens ou ocultação de patrimônio.
Contrário ao princípio da boa-fé (art. 113 do CC) e da função social do contrato (art. 421 do CC: "A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.").
4. Análise do § 2º do Art. 50 do Código Civil
O § 2º do Art. 50 do CC estabelece: "Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial."
4.1. Alcance
Detalha a confusão patrimonial como a mistura de patrimônios entre a pessoa jurídica e seus sócios ou administradores, comprometendo a autonomia patrimonial. Os incisos especificam:
Inciso I: Pagamento recorrente de dívidas pessoais pela holding ou vice-versa.
Inciso II: Transferências de bens sem justa causa, salvo valores insignificantes.
Inciso III: Outras práticas que violam a separação patrimonial, como uso de contas bancárias conjuntas.
4.2. Exemplo Prático
Uma holding familiar paga regularmente as despesas pessoais do patriarca (ex.: contas domésticas, financiamentos) sem registro contábil ou contrato de mútuo.
Neste caso, poderá, por meio de provas irretorquíveis, ser aplicada a norma legal em estudo por ausência de separação patrimonial, alcançando o patrimônio do patriarca.
5. Análise do § 3º do Art. 50 do Código Civil
O § 3º do Art. 50 do CC: "O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica."
5.1. Alcance
Introduzido pelo art. 7º da Lei nº 13.874/2019, o § 3º positivou a desconsideração inversa, permitindo que a pessoa jurídica seja responsabilizada por dívidas dos sócios ou administradores em casos de abuso.
5.2 Exemplo Prático
A desconsideração inversa é aplicada caso o sócio transfira bens para a holding com intenção fraudulenta, para que execuções de alimentos ou dívidas trabalhistas não alcance tais bens.
O juiz poderá, por meio de provas inquestionáveis, desconsiderar a personalidade jurídica da holding com base no art. 50, § 3º, do CC, alcançando o patrimônio para satisfazer a obrigação do sócio.
5.3 Jurisprudência do STJ
O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente admitido a desconsideração da personalidade jurídica inversa, responsabilizando com o patrimônio da PJ para saldar dívidas de seus sócios.
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CABIMENTO. UTILIZAÇÃO ABUSIVA. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ.
1. A jurisprudência desta Corte admite a desconsideração da personalidade jurídica de forma inversa a fim de possibilitar, de modo excepcional, a responsabilização patrimonial da pessoa jurídica por dívidas próprias de seus sócios ou administradores quando demonstrada a abusividade de sua utilização.
2. O reexame das circunstâncias fáticas e probatórias da causa é labor que não se coaduna com a via do recurso especial, a teor do que dispõe expressamente a Súmula nº 7/STJ.
3. Na hipótese, tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça estadual, soberanos no exame do acervo fático-probatório dos autos, concluíram pela utilização fraudulenta do instituto da autonomia patrimonial, caracterizando o abuso de direito, o que é suficiente para justificar a desconsideração inversa da personalidade jurídica.
4. Verificada a existência dos pressupostos que justificam a inversa desconsideração, revela-se desinfluente para a adoção dessa excepcional medida o fato de a prática abusiva ter sido levada a efeito por um administrador, máxime quando este é um ex-sócio que permaneceu atuando, por procuração conferida por suas filhas (a quem anteriormente transferiu suas cotas sociais), na condição de verdadeiro controlador da sociedade.
5. Recurso especial não provido.
(REsp n. 1.493.071/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/5/2016, DJe de 31/5/2016.) (grifos nossos)
6. Análise do § 4º do Art. 50 do Código Civil
O § 4º do Art. 50 do CC: "A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica."
6.1. Alcance
O § 4º protege a autonomia patrimonial de empresas pertencentes a grupos econômicos, incluindo holdings familiares que integram conglomerados, exigindo prova de abuso para desconsideração.
A Holdings Familiares podem fazer parte de grupos econômicos, controlando outras sociedades. O parágrafo em questão impede a desconsideração automática de todas as empresas do grupo, protegendo a liberdade econômica (art. 1º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 13.874/2019).
6.2. Exemplo Prático
Uma holding familiar controla várias empresas, mas apenas uma delas é usada para fraudar credores. O credor requer a desconsideração de todo o grupo econômico.
Com base na norma do parágrafo mencionado a desconsideração recairá em uma das empresas, preservando as demais sociedades do grupo econômico.
6.3. Jurisprudência do STJ
O Superior Tribunal de Justiça assim se manifestou quanto à desconsideração da personalidade jurídica quando há provas de confusão patrimonial e fraude com relação a grupo econômico. Vejamos a Ementa:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 182/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. FORMAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO, CONFUSÃO PATRIMONIAL E FRAUDE. RECONHECIMENTO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. MODIFICAÇÃO DAS PREMISSAS FÁTICAS. INVIABILIDADE. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. A desconsideração da personalidade jurídica, embora seja medida de caráter excepcional, é admitida quando ficar caracterizado desvio de finalidade ou confusão patrimonial (CC/2002, art. 50).
2. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, uma vez "reconhecido o grupo econômico e verificada confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para responder por dívidas de outra, inclusive em cumprimento de sentença, sem ofensa à coisa julgada" (AgRg no AREsp 441.465/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe de 03/08/2015).
3. Hipótese em que as instâncias ordinárias, examinando as circunstâncias da causa, consignaram estar demonstrada formação de grupo econômico, confusão patrimonial e fraude para frustrar a satisfação do crédito. A modificação desse entendimento demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, assim como a interpretação de cláusulas contratuais, inviável em recurso especial (Súmulas 5 e 7 do STJ).
4. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada e, em novo julgamento, conhecer do agravo para negar provimento ao recurso especial.
(AgInt no AREsp n. 1.635.669/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 28/9/2020, DJe de 20/10/2020.) (Grifos nossos)
7. Análise do § 5º do Art. 50 do Código Civil
Finalmente o § 5º do Art. 50 do CC diz que: "Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica."
7.1 Alcance
Também introduzido pelo art. 7º da Lei nº 13.874/2019, o § 5º protege a liberdade econômica, garantindo que mudanças legítimas no objeto social da pessoa jurídica, como expansão ou alteração de atividades, não sejam consideradas desvio de finalidade.
As Holdings Familiares podem expandir ou alterar seu objeto social sem que isso implique abuso, desde que respeite a boa-fé (art. 113 do CC) e a função social do contrato (art. 421 do CC).
7.2 Exemplo Prático
Uma holding familiar, originalmente criada para gestão patrimonial, altera seu objeto social para incluir investimentos financeiros, sem a intenção de desvio de finalidade.
O juiz, com base nas provas apresentadas relativas à lisura do procedimento, deverá rejeitar o pedido de desconsideração com base no art. 50, § 5º, do CC, por tratar-se de alteração legítima do objeto social.
8. Conclusão
O art. 50 do CC, alterado pelo art. 7º da Lei nº 13.874/2019, oferece um arcabouço robusto para a desconsideração da personalidade jurídica, equilibrando a proteção de credores e herdeiros com a autonomia patrimonial e a liberdade econômica.
Por outro lado, a jurisprudência dos Tribunais praticamente pacificou entendimento de que a desconsideração da pessoa jurídica baseada no desvio de finalidade ou confusão patrimonial deve estar respaldada por robustas provas da lesão causada a terceiros. A desconsideração inversa é outro fator importante para inibir eventuais abusos, onde a pessoa jurídica é responsabilizada pelos abusos do sócio.
Por fim, há preservação do grupo econômico, mesmo que haja provas cabais de desvio de finalidade conforme entendimento jurisprudencial e da possibilidade de expansão e alteração do objeto social, estabelecem uma sintonia maior com a segurança jurídica e da boa fé.
07/07/2025
04/07/2025
Holding Para Família X Lei de Liberdade Econômica X Teoria Geral do Contrato
1. Introdução
A constituição de holdings para famílias tem se consolidado como uma ferramenta estratégica para gestão patrimonial, planejamento sucessório e otimização tributária no Brasil.
A Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, instituída pela Lei nº 13.874/2019 trouxe alterações significativas ao regime contratual e à autonomia privada, impactando diretamente a forma como os contratos são interpretados e aplicados no contexto de estruturas societárias como as holdings.
A Teoria Geral do Contrato, por sua vez, fornece os fundamentos jurídicos para compreender as relações contratuais que sustentam essas estruturas, especialmente à luz dos princípios da função social do contrato, da probidade, da boa-fé objetiva e equilíbrio contratual; e esta análise explora como esses elementos se inter-relacionam.
2. Holding para Família
2.1 Conceito e Finalidades
Uma holding familiar é uma pessoa jurídica criada para centralizar a gestão de bens e participações societárias de uma família, com objetivos que incluem:
Planejamento Sucessório: Evitar conflitos familiares e facilitar a transmissão de patrimônio, reduzindo custos, morosidade e formalidades, evitando o inventário.
Gestão Patrimonial: Centralizar a administração de bens, como imóveis, participações societárias e investimentos financeiros.
Otimização Tributária: Aproveitar vantagens fiscais, como a redução de carga tributária em operações de transferência de bens ou rendimentos.
Proteção Patrimonial: Mitigar riscos de dilapidação do patrimônio por meio de cláusulas estatutárias e contratos bem estruturados.
A criação de uma holding familiar geralmente envolve a elaboração de contratos sociais, acordos de acionistas e outros instrumentos contratuais que regulam as relações entre os membros da família e a sociedade. Esses contratos são o núcleo da análise sob a ótica da Teoria Geral do Contrato.
3. Lei de Liberdade Econômica
3.1 Impactos no Direito Contratual
A Lei nº 13.874/2019, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, introduziu mudanças significativas no Código Civil Brasileiro, especialmente nos artigos 113, 421 e 421-A, com o objetivo de promover a livre iniciativa, reduzir a intervenção estatal e reforçar a autonomia privada.
Seus principais impactos no contexto contratual incluem:
3.1.1 Princípio da Intervenção Mínima
O parágrafo único do art. 421 estabelece que "nas relações contratuais privadas, prevalecerá o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual". Isso reforça a autonomia das partes para estipular os termos do contrato, limitando a interferência judicial, exceto em casos excepcionais, como onerosidade excessiva ou desequilíbrio contratual grave (art. 478 do Código Civil).
Impacto nas Holdings Familiares
No contexto de holdings, esse princípio fortalece a validade de cláusulas contratuais que regulam a governança familiar, como acordos de acionistas que definem regras de sucessão, distribuição de lucros ou restrições à transferência de quotas. A intervenção mínima assegura que as vontades expressas no contrato social ou em acordos paralelos sejam respeitadas, salvo se violarem preceitos de ordem pública.
3.1.2. Presunção de Paridade e Simetria
O art. 421-A cria a presunção que os contratos civis e empresariais são paritários e simétricos, salvo prova em contrário. Isso implica que as partes são consideradas em igualdade de condições negociais, o que reforça a liberdade contratual, mas pode gerar desafios em relações familiares, onde há desequilíbrios naturais (ex.: entre pais e filhos ou entre membros com diferentes níveis de conhecimento).
Impacto nas Holdings Familiares
A presunção de paridade pode ser problemática em holdings familiares, onde membros da família podem ter poderes negociais desiguais. Para mitigar isso, é essencial que os contratos sejam elaborados com clareza e assessoria jurídica adequada, garantindo que todos os envolvidos compreendam os termos e as implicações, alinhando-se ao princípio da probidade e da boa-fé objetiva.
3.1.3. Liberdade na Interpretação e Integração de Contratos
O art. 113, §§1º e 2º do Código Civil, estes últimos incluídos através da Lei nº 13874/19, permite que as partes estabeleçam regras próprias de interpretação e preenchimento de lacunas contratuais, desde que não contrarie a ordem pública. Isso confere maior flexibilidade na elaboração de contratos que regulam holdings familiares, permitindo a inclusão de cláusulas personalizadas para atender às necessidades específicas da família.
Impacto nas Holdings Familiares
A possibilidade de definir parâmetros objetivos para interpretação contratual é particularmente útil em acordos de acionistas ou contratos sociais, que podem prever regras específicas para resolução de conflitos familiares, sucessão ou administração de bens. Isso reduz a incerteza jurídica e fortalece a segurança contratual.
3.1.4. Limites à Função Social do Contrato
A Lei de Liberdade Econômica busca equilibrar a função social do contrato (art. 421) com a livre iniciativa, limitando a intervenção estatal em contratos paritários. Contudo, a função social permanece como um princípio de ordem pública, exigindo que os contratos não prejudiquem terceiros ou a coletividade.
Impacto nas Holdings Familiares
A função social do contrato impõe limites à autonomia das partes em holdings familiares, especialmente em questões que afetam terceiros, como credores ou herdeiros necessários. Por exemplo, a transferência de bens para a holding não pode ser usada para fraudar credores ou burlar direitos sucessórios.
4. Teoria Geral do Contrato
4.1 Fundamentos e Princípios
A Teoria Geral do Contrato, conforme sedimentada no Código Civil Brasileiro e na doutrina, é regida por princípios fundamentais que orientam a formação, interpretação e execução dos contratos. Esses princípios são especialmente relevantes para a constituição e operação de holdings familiares:
4.1.1 Autonomia Privada
A autonomia privada, derivada do princípio da autonomia da vontade, permite que as partes estipulem livremente os termos do contrato, desde que respeitados os limites legais e a função social (art. 421).
Na prática, isso significa que a família pode estruturar a holding de acordo com suas necessidades, definindo regras de governança, sucessão e distribuição de lucros.
Aplicação nas Holdings Familiares
A autonomia privada é a base para a elaboração de contratos sociais e acordos de acionistas que regulam a holding. Por exemplo, cláusulas que restringem a entrada de terceiros na sociedade ou definem a sucessão de quotas são manifestações dessa autonomia, reforçada pela Lei da Liberdade Econômica.
4.1.2. Função Social do Contrato
O princípio da função social (art. 421) exige que os contratos promovam o bem-estar social e não prejudiquem terceiros ou a coletividade. Esse princípio é particularmente relevante em holdings familiares, que envolvem interesses de herdeiros, credores e da sociedade como um todo.
Aplicação nas Holdings Familiares
A função social limita a liberdade contratual em casos como a transferência de bens para a holding com o intuito de fraudar credores (art. 158 do Código Civil) ou de excluir herdeiros necessários (art. 1.845). Além disso, a holding deve ser estruturada de forma a promover a harmonia familiar e evitar conflitos que possam impactar negativamente a sociedade.
4.1.3. Princípios da Probidade e Boa-Fé Objetiva
A probidade e a boa-fé objetiva (art. 422) impõe um padrão ético de conduta, exigindo lealdade, transparência e cooperação entre as partes. No contexto de holdings familiares, a probidade e a boa-fé são essenciais para evitar abusos entre os membros da família, especialmente em relações assimétricas.
Aplicação nas Holdings Familiares
A probidade e a boa-fé objetiva orientam a elaboração de contratos claros e equilibrados, evitando cláusulas abusivas ou que favoreçam indevidamente um membro da família em detrimento de outros. Por exemplo, um acordo de acionistas deve prever mecanismos de resolução de conflitos que respeitem a dignidade e os interesses de todos os envolvidos.
4.1.4. Princípios da Paridade e Simetria dos Contratos
O equilíbrio contratual, consagrado no art. 421-A, busca evitar a onerosidade excessiva e garantir que as prestações sejam proporcionais. Esse princípio é relevante em holdings familiares, onde desequilíbrios entre os membros podem gerar litígios.
Aplicação nas Holdings Familiares
O equilíbrio contratual é crucial em contratos que regulam a distribuição de lucros ou a administração da holding. Por exemplo, cláusulas que favorecem desproporcionalmente um herdeiro em detrimento de outros podem ser questionadas judicialmente, com base no art. 478 (onerosidade excessiva).
5. Benefícios e Desafios
A integração entre a Lei da Liberdade Econômica e a Teoria Geral do Contrato no contexto de holdings familiares oferece benefícios, mas também apresenta desafios práticos:
5.1. Benefícios
Flexibilidade Contratual: A Lei da Liberdade Econômica amplia a autonomia das partes para estruturar a holding de forma personalizada, com cláusulas que atendam às necessidades específicas da família (art. 113, §§1º e 2º CC).
Segurança Jurídica: A presunção de paridade e a intervenção mínima reduzem a incerteza jurídica, garantindo que os contratos sejam respeitados, salvo em casos excepcionais.
Otimização Tributária e Sucessória: A holding permite a transferência de bens com vantagens fiscais e a continuidade da gestão patrimonial, alinhada aos princípios da livre iniciativa e autonomia privada.
5.2. Desafios
Desequilíbrios Familiares: A presunção de paridade (art. 421-A) pode não refletir a realidade de relações familiares, onde há diferenças de poder ou conhecimento. Isso exige maior cuidado na elaboração dos contratos.
Limites da Função Social: A função social do contrato impõe restrições à autonomia privada, especialmente em casos de proteção a herdeiros necessários ou credores.
Complexidade Jurídica: A estruturação de uma holding exige conhecimento técnico para garantir conformidade com a legislação civil, tributária e societária, o que pode ser um obstáculo para famílias sem assessoria adequada.
6. Conclusão
A Lei de Liberdade Econômica reforça a autonomia privada e a segurança jurídica na constituição de holdings familiares, promovendo maior flexibilidade na elaboração de contratos.
No entanto, a Teoria Geral do Contrato, com seus princípios de função social, probidade, boa-fé objetiva e equilíbrio contratual, estabelece limites importantes para garantir que essas estruturas respeitem os interesses da coletividade e evitem abusos.
A combinação desses elementos permite a criação de holdings familiares eficientes, desde que bem estruturadas juridicamente, com contratos claros e equilibrados que promovam a harmonia familiar e a proteção patrimonial, em conformidade com os preceitos constitucionais e legais.
Referências
Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002)
Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019)
Constituição Federal do Brasil (1988)
Tartuce, Flávio. Direito Civil: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. São Paulo: Método, 2020.
Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2016.
-
A Consultoria da Administração Tributária – CAT da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo emitiu no ano de 2015 uma infinidade de Res...
-
1) Finalidade O Município de São Paulo publicou a Lei nº 18.095, de 19 de março de 2024 , regulamentada pelo DECRETO Nº 63.341, DE 10 DE ...
-
1. Introdução A Emenda Constitucional nº 132/2023, ao introduzir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Servi...