O roubo ou furto de mercadoria destinada à exportação anula o lançamento
de IPI, porque o fato gerador do imposto não é a saída do estabelecimento industrial, mas a realização da operação de transferência da propriedade ou
posse dos produtos industrializados. Esse é o novo entendimento adotado pela
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Por maioria de votos, os ministros decidiram
que, em caso de roubo ou furto das mercadorias, não há proveito econômico e,
portanto, o tributo não deve ser recolhido. Segundo o relator, ministro Herman
Benjamin, não é razoável que o empresário tenha a sua mercadoria roubada,
suporte o prejuízo decorrente da deficiência na segurança pública que deve ser
oferecida pelo estado e ainda recolha o tributo como se tivesse obtido proveito
econômico com a operação.
Benjamin observou que Código Tributário
Nacional, no artigo 46, inciso II, antecipa o elemento temporal do fato gerador
do IPI para a saída do produto do estabelecimento industrial, valendo-se da
presunção de que o negócio jurídico mercantil será concluído com a entrega da
mercadoria ao comprador.
Contudo, o relator considera que “a antecipação do elemento temporal criado por
ficção legal não torna definitiva a ocorrência do fato gerador, que é presumida
e pode ser contraposta em caso de furto, roubo, perecimento da coisa ou
desistência do comprador”.
Cigarros Roubados/Furtados
Com essas considerações, a 2º Turma, por maioria, deu provimento ao Resp nº 1.203.236 - RJ
(2010⁄0130119-5), publ. DJe 30/08/2012, de relatoria do min. Herman Benjamin
seguidos pelos ministros Cesar Asfor Rocha (Aposentado), Castro Meira e
Humberto Martins, voto vencido min. Mauro Campbell Marques da recorrente Souza Cruz Trading S/A, para
anular o lançamento de IPI sobre cigarros destinados à exportação que foram
furtados ainda em território nacional. De acordo com o artigo 153, parágrafo
3º, da Constituição Federal, produtos industrializados destinados à exportação
têm imunidade tributária.
O recurso era contra decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
O pedido da empresa para anular o lançamento do tributo foi negado em primeiro
e segundo grau. Mantendo a sentença, o TRF1 considerou que o fato gerador do
IPI ocorria na saída da mercadoria da indústria e a não incidência do imposto
só seria possível com a efetiva exportação.
Mudança de entendimento
A decisão da Segunda Turma altera o entendimento até então adotado pelo
colegiado, que era de manter a cobrança do imposto sobre mercadorias roubadas
ou furtadas. No julgamento do REsp 734.403-RS Dje 06/10/2010, relatado pelo
ministro Mauro Campbell Marques, a maioria dos ministros (Eliana Calmon e
Humberto Martins) considerou que esses
acontecimentos eram risco inerente à atividade industrial e que o prejuízo não
poderia ser transferido à sociedade sob a forma do não pagamento do tributo. Os
ministros Castro Meira e Herman Benjamin ficaram vencidos.
Ao julgar esse novo recurso, Benjamin chegou a adotar o entendimento que havia
sido firmado pela maioria da Turma (REsp 734.403-RS), mesmo sem concordar com a
tese. Porém, diante do voto-vista divergente do ministro Cesar Asfor Rocha, o
relator afirmou que era uma “boa oportunidade para maior reflexão sobre a
justiça de onerar o contribuinte com tributação que não corresponde com o
proveito decorrente da operação”.
Os ministros Castro Meira e Humberto Martins votaram, também, com o relator, contrariamente o havia feito este último no Resp nº 734.403-RS. Já o ministro Mauro Campbell Marques ficou vencido por considerar que não há previsão legal para a não incidência do imposto no caso julgado.
A Fazenda Nacional recorreu através de Embargos de Declaração.
Por fim, importante, salientar que o presente leading case dá uma certa conotação
de justiça social tributaria quando assevera o eminente relator que “Desarrazoado entender que a parte que tem a mercadoria roubada deva
suportar prejuízo decorrente de déficit da segurança pública que
deveria ser oferecida pelo Estado, e recolher o tributo como se obtivesse
proveito econômico com a operação. Quando há proveito econômico, não se recolhe
tributo. Quando não há, o pagamento é indevido? “Tratar-se-ia de afirmação
kafkiana”.; isto é, de circunstância surreal, absurda. E finaliza “Em outras
palavras, não se concretizando o negócio jurídico, por furto ou roubo da
mercadoria negociada, já não se avista o elemento signo de capacidade
contributiva, de modo que o ônus tributário será absorvido não pela riqueza
advinda da própria operação tributada, mas pelo patrimônio e por rendas outras
do contribuinte que não se relacionam especificamente com o negócio jurídico
que deu causa à tributação, em clara ofensa ao princípio do não confisco”.
Vejamos o teor da Ementa do Acórdão do Resp nº
1.203.236 – RJ onde destacamos através de grifos as razões que nortearam a
mudança de entendimento da 2ª Turma do STJ.
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO.
OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. IPI. FATO GERADOR. MOMENTO TEMPORAL.
FURTO⁄ROUBO. TRADIÇÃO. CONDIÇÃO RESOLUTÓRIA. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA SUBJETIVA.
EXAÇÃO INDEVIDA.
1. A empresa ajuizou Ação Ordinária com o intuito de anular lançamentos
de IPI sobre mercadorias (cigarros) destinadas à exportação que foram furtadas.
O Juízo de 1º grau julgou improcedente o pedido, tendo sido mantida a sentença
pelo Tribunal Regional Federal.
2. Não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil,
uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a
controvérsia, tal como lhe foi apresentada.
3. Em relação ao mérito, esta Turma se posicionara inicialmente no
sentido de que "o roubo ou furto de mercadorias é risco inerente à
atividade do industrial produtor. Se roubados os produtos depois da saída
(implementação do fato gerador do IPI), deve haver a tributação, não tendo
aplicação o disposto no art. 174, V, do RIPI-98". (REsp 734.403⁄RS, Rel.
Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.10.2010). Nessa
oportunidade, fiquei vencido ao lado do Eminente Ministro Castro Meira, cujas
considerações ali feitas motivaram aqui maior reflexão sobre a justiça de
onerar o contribuinte com tributação que não corresponde ao proveito decorrente
da operação. Tais observações prevalecem nos seguintes termos:
4. O fato gerador do IPI não é à saída do produto do estabelecimento
industrial ou a ele equiparado. Esse é apenas o momento temporal da hipótese de
incidência, cujo aspecto material consiste na realização de operações que
transfiram a propriedade ou posse de produtos industrializados.
5. Não se pode confundir o momento temporal do fato gerador com o
próprio fato gerador, que consiste na realização de operações que
transfiram a propriedade ou posse de produtos industrializados.
6. A antecipação do elemento temporal criada por ficção legal não
torna definitiva a ocorrência do fato gerador, que é presumida e pode ser
contraposta em caso de furto, roubo, perecimento da coisa ou desistência do
comprador.
7. A obrigação tributária nascida com a saída do produto do
estabelecimento industrial para entrega futura ao comprador, portanto, com
tradição diferida no tempo, está sujeita a condição resolutória, não sendo
definitiva nos termos dos arts. 116, II, e 117 do CTN. Não há razão para
tratar, de forma diferenciada, a desistência do comprador e o furto ou o roubo
da mercadoria, dado que em todos eles a realização do negócio jurídico base foi
frustrada.
8. O furto ou o roubo de mercadoria, segundo o art. 174, V, do
Regulamento do IPI, impõem o estorno do crédito de entrada relativo aos
insumos, o que leva à conclusão de que não existe o débito de saída em respeito
ao princípio constitucional da não cumulatividade. Do contrário, além
da perda da mercadoria – e do preço ajustado para a operação mercantil –,
estará o vendedor obrigado a pagar o imposto e a anular o crédito pelas
entradas já lançado na escrita fiscal.
9. Desarrazoado entender que a parte que tem a mercadoria roubada
deva suportar prejuízo decorrente de deficit da segurança pública que
deveria ser oferecida pelo Estado, e recolher o tributo como se obtivesse
proveito econômico com a operação. Quando há proveito econômico, não se recolhe
tributo. Quando não há, o pagamento é indevido? Tratar-se-ia de afirmação
kafkiana.
10. O furto de mercadorias antes da entrega ao comprador faz desaparecer
a grandeza econômica sobre a qual deve incidir o tributo. Em outras palavras,
não se concretizando o negócio jurídico, por furto ou roubo da mercadoria
negociada, já não se avista o elemento signo de capacidade contributiva, de
modo que o ônus tributário será absorvido não pela riqueza advinda da própria
operação tributada, mas pelo patrimônio e por rendas outras do contribuinte que
não se relacionam especificamente com o negócio jurídico que deu causa à
tributação, em clara ofensa ao princípio do não confisco.
11. Recurso Especial provido.
Fonte: STJ – 17.09.2012
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