28/05/2025

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O ITCMD e a Reforma Tributária - Parte 2

 I.          Introdução

Com a Reforma Tributária originada pela PEC – Proposta de Emenda à Constituição nº 45/19 e convertida na EMC – Emenda Constitucional nº 132/23, o Art. 155, I da Constituição Federal que trata do ITCMD - Imposto sobre Transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos, teve o seu texto modificado no § 1º, II e a inclusão dos incisos VI e VII.

Além da alteração e inclusões mencionadas, a EMC nº 132/23 no art.16 trouxe “norma transitória”, onde regulamenta as doações internacionais até que seja criada lei complementar conforme estabelecido no Art. 155 § 1º, III da Constituição Federal; e no Art. 17 determinou que a alteração do art. 155, § 1º, II, da Constituição Federal aplica-se às sucessões abertas a partir de 21.12.2023,  data de publicação da Emenda Constitucional.

As mudanças não param por aí, existem em tramitação nas Casas Legislativas projetos direcionados ao ITCMD e alteração  do CTN – Código Tributário Nacional;  cria lei complementar; bem como, muda a alíquota, são eles: PLP 67/21 (Câmara dos Deputados), apensados a este projeto estão os PLP 86/24 e PLP 115/24; PLP 108/24 (Câmara dos Deputados) a partir do art. 159 até o art. 189; PRS 57/19; PRS 10/23; PRS 9/25 (Senado Federal).

Pelo que se pode observar, o ITCMD trouxe novas perspectivas e desafios, que serão abordados nesta Parte 2, dando continuidade ao nossos estudos.

II. Aspectos Tributários – Art. 155, § 1º, I CF.

1. Bens Imóveis e Respectivos Direitos – Competência e Situação do Bem.

Em relação ao inciso I do § 1º do Art. 155 da Constituição Federal, a Reforma Tributária nada alterou, todavia, é importante e necessário analisarmos todas as disposições contidas na base constitucional sobre o ITCMD, onde determina que:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

......................................................................

§ 1º O imposto previsto no inciso I:         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

I - relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal

Face ao exposto, o ITCMD incidirá sobre os bens imóveis e respectivos direitos na situação do bem e a sua cobrança é de competência dos Estados e do Distrito Federal.

2. Abrangência da Expressão “bens imóveis e respectivos direitos”

Observe que, neste caso, se está tratando tão somente da tributação sobre bens imóveis e respectivos direitos sobre herança e doação; isso inclui:

  • Bens imóveis por natureza: como terrenos, edificações, etc. (arts. 79 a 81 do CC);
  • Bens imóveis por acessão: como construções ou plantações. (arts. 1248 CC)
  • Direitos reais sobre imóveis, como usufruto, servidão, hipoteca, entre outros. (arts. 1225 a 1227 CC)

Portanto, o leque de incidência do ITCMD é abrangente, daí a necessidade de uma análise acurada em todas as transações realizadas com imóveis.

A exemplo disso, o site da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo possui uma sessão onde publica as respostas às consultas tributárias formuladas pelos consulentes pessoas físicas e jurídicas, conforme pinçadas algumas:

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 26005/2022, de 31 de março de 2023. (Publicada no Diário Eletrônico em 03/04/2023)

Ementa

ITCMD – Cessão voluntariados direitos de uso e habitação sobre bem imóvel, por ato não oneroso – Incidência.

I. Acessão voluntária dos direitos de uso e habitação sobre bem imóvel localizado em São Paulo, por ato não oneroso, constitui fato gerador do ITCMD, por se tratar de transmissão de direito por doação.

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 27221/2023, de 28 de fevereiro de 2023. (Publicada no Diário Eletrônico em 01/03/2023)

Ementa

ITCMD – Transmissão causa mortis – Inventário extrajudicial processado em outro Estado, onde tinha domicílio o de cujus – Bem imóvel localizado em outro Estado.

I. Na transmissão de bens imóveis e respectivos direitos, o ITCMD compete ao Estado da situação do bem.

II. Havendo bens imóveis em mais de um Estado, cada herdeiro deverá recolher o ITCMD ao Estado competente de maneira proporcional à participação que lhe caiba em cada bem, independentemente da forma como forem partilhados.

III. Ocorre o fato gerador do ITCMD quando, em uma partilha, qualquer um dos herdeiros receber, graciosamente, uma parcela maior que o quinhão a que tinha direito, configurando o excesso de quinhão e, por consequência, a doação.

RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 30789/2024, de 03 de dezembro de 2024. (Publicada no Diário Eletrônico em 04/12/2024)

Ementa

ITCMD – Transmissão causa mortis - Bens móveis e imóveis localizados em São Paulo e em outros Estados - Verificação de excesso de quinhão.

I. O ITCMD relativamente a bens imóveis e respectivos direitos compete ao Estado da situação do bem, sendo devido o imposto ao Estado de São Paulo por todos os herdeiros em relação aos percentuais que lhe cabem dos imóveis localizados neste Estado.

II. Só haverá o excesso de quinhão, que configura doação, se um dos herdeiros receber, graciosamente, uma parcela maior que o quinhão a que tinha direito (artigo 2º, § 5º, da Lei nº 10.705/2000).

III. Quando no inventário houver bens imóveis localizados em mais de um Estado, na verificação de excesso de quinhão deve ser considerada a totalidade dos bens, sendo irrelevante a porcentagem atribuída na partilha aos herdeiros em cada Estado.

3. Extinção de Usufruto Adquirido de forma Onerosa pela Renúncia – Não Incide do ITCMD – Jurisprudência

Importante salientar que, a jurisprudência dos Tribunais de Justiça Estaduais pacificou entendimento de que “a extinção do usufruto – adquirido de forma onerosa – pela renúncia, não gera transmissão de direitos”, por consequência não incide o ITCMD; ação decidida por unanimidade no Acórdão de Embargos de Declaração em Apelação Nº 5004975-08.2022.8.24.0020/SC de relatoria do Desembargador Sandro Jose Neis, 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Santa Catarina na sessão de ordinária de 30.07.2024.

Neste mesmo sentido temos:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD. RENÚNCIA DE USUFRUTO. AQUISIÇÃO ONEROSA DO BEM IMÓVEL. TRIBUTAÇÃO AFASTADA. A extinção do usufruto, em razão da renúncia, não constitui hipótese de incidência do ITCMD, uma vez que a hipótese não se enquadra na previsão contida no art. 4º da Lei Estadual n. 8.821/89. Caso em que a instituição do usufruto ocorreu através de contrato de compra e venda e não através de uma transmissão "causa mortis" ou gratuita, afastando, portanto, a incidência do tributo. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS, Apelação/Remessa Necessária, nº 51389535920218210001, Primeira Câmara Cível, Relator: Newton Luís Medeiros Fabrício, Julgado em: 15-03-2023.

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD. EXTINÇÃO DO USUFRUTO, ADQUIRIDO ONEROSAMENTE E COM PAGAMENTO DE IMPOSTO À AQUISIÇÃO, PELA RENÚNCIA DO USUFRUTUÁRIO. CONSOLIDAÇÃO PLENA DA PROPRIEDADE AO NU-PROPRIETÁRIO. SITUAÇÃO QUE NÃO SE ENQUADRA NAS HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO, PREVISTAS NO ART. 4º DA LEI ESTADUAL Nº 8.821/89. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS, Apelação/Remessa Necessária, nº 50070506120228210001, Vigésima Primeira Câmara Cível, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, julgado em:13.03.2023.

MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD. IMÓVEL COM INSTITUIÇÃO DE USUFRUTO. POSTERIOR EXTINÇÃO/RENÚNCIA DO USUFRUTO. Fisco que argumenta que a extinção do usufruto configura hipótese de incidência do ITCMD. Pretensão da impetrante de afastamento da incidência de ITCMD. CABIMENTO DA PRETENSÃO. Extinção ou cancelamento do usufruto que não é prevista como hipótese de incidência do ICTMD, mas sim como causa de isenção ao recolhimento do tributo. Inteligência do art. 6º, I, "f", da Lei Estadual nº 10.705/2000. Extinção ou cancelamento do usufruto que não se equipara à transmissão de bem "causa mortis" ou de doação, tratando-se, em verdade, de consolidação da propriedade plena na pessoa do nu-proprietário. Precedentes desta. C. Corte. R. sentença concessiva da segurança integralmente mantida. RECURSO DE APELAÇÃO DA FESP DESPROVIDO. REEXAME NECESSÁRIO DESPROVIDO. TJSP, Apelação/Remessa Necessária nº 1005193-82.2021.8.26.0053, Relatora Flora Maria Nesi Tossi Silva, Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público, Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 6ª Vara de Fazenda Pública, Data de julgamento: 29/06/2021, Data de Registro: 29.06.2021;)

APELAÇÃO - MANDADO DE SEGURANÇA - DIREITO TRIBUTÁRIO - ITCMD - Impetração voltada a impedir que a autoridade coatora exija o recolhimento de ITCMD sobre a extinção e/ou cancelamento do usufruto dos imóveis descritos na inicial, em razão da renúncia da usufrutuária - Acolhimento - Tributação pelo ITCMD que ocorreu por ocasião da transmissão causa mortis dos bens integrantes do acervo patrimonial do genitor dos impetrantes, morto em 06.07.2009 - Cancelamento do direito real de usufruto instituído pelos impetrantes sobre a fração ideal dos imóveis herdados em favor de sua genitora que não pode ser alvo de tributação pelo imposto, pois não se equipara a uma doação feita aos nu-proprietários - Com a extinção do usufruto que grava os bens, por renúncia da usufrutuária (artigo 1410, I, do CC), o direito real de propriedade, que é uno, apenas volta a ser pleno, consolidando-se nas mãos dos impetrantes, então nu-proprietários, não se divisando transferência do patrimônio imobiliário (a qual já ocorrera quando da abertura da sucessão do falecido pai) - Sentença reformada para conceder a ordem pleiteada - Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível nº 1019676-59.2017.8.26.0053; Relator: Marcos Pimentel Tamassia; órgão Julgador: 1º Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes, Data de Registro: 27/04/2018)

Oportuno dizer, ainda, que a SEFAZ SP já manifestou esse mesmo entendimento através da Resposta à Consulta Tributária 24727/2021, de 27 de janeiro de 2022, disponibilizado no site da SEFAZ em 28/01/2022, cuja ementa é a seguinte:

“ITCMD – Renúncia de usufruto instituído em negócio jurídico oneroso.”

“I.          Em decorrência da falta de previsão na legislação paulista, a extinção do usufruto pela renúncia do usufrutuário não é hipótese de incidência do ITCMD.”

Face ao exposto, a jurisprudência e a própria Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo admitem que “não incide o ITCMD no caso de renúncia de usufruto instituído em negócio jurídico oneroso.

4. Repetitivos e IACS[1] Anotados do STJ[2]

O STJ pacificou alguns temas envolvendo o ITCMD através dos Recursos Especiais Repetitivos e Incidentes de Assunção de Competência, são eles:

Tema 1074

Questão submetida a julgamento

“Necessidade de se comprovar, no arrolamento sumário, o pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCMD como condição para a homologação da partilha ou expedição da carta de adjudicação, à luz dos arts. 192 do CTN e 659, § 2º, do CPC/2015.

Tese Firmada

“No arrolamento sumário, a homologação da partilha ou da adjudicação, bem como a expedição do formal de partilha e da carta de adjudicação, não se condicionam ao prévio recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, devendo ser comprovado, todavia, o pagamento dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, a teor dos arts. 659, § 2º, do CPC/2015 e 192 do CTN.

Tema 391

Questão submetida a julgamento

“Discute-se a competência do juízo do inventário (arrolamento sumário) para apreciar pedido de reconhecimento de isenção do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos), à luz do disposto no artigo 179, do CTN.

Tese Firmada

“O juízo do inventário, na modalidade de arrolamento sumário, não detém competência para apreciar pedido de reconhecimento da isenção do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos), à luz do disposto no caput do artigo 179, do CTN.

Tema 1048

Questão submetida a julgamento

“Definir o início da contagem do prazo decadencial previsto no art. 173, I, do CTN para a constituição do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) referente a doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual.

Tese Firmada

“O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCDM, referente a doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual, a contagem do prazo decadencial tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, observado o fato gerador, em conformidade com os arts. 144 e 173, I, ambos do CTN.

5. STF - Repercussão Geral

Alguns temas julgados pela Alta Corte no âmbito do ITCMD foram enquadrados no instituto da Repercussão Geral, relacionamos a seguir alguns deles:

Tema 1214

Tema

“Incidência do ITCMD sobre o plano Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) e o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano.”

Tese

“É inconstitucional a incidência do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao plano vida gerador de benefício livre (VGBL) ou ao plano gerador de benefício livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano.”


Tema 1014


Tema

“Controvérsia relativa à definição da base de cálculo do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD).”

Tese

“É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à base de cálculo aplicada ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) fundada na interpretação da legislação local, no Código Tributário Nacional e no princípio da legalidade.”

6. Situação do Bem - Conceito

A expressão "situação do bem", no contexto do artigo 155, § 1º, inciso I, da Constituição Federal, possui um significado jurídico claro e objetivo: refere-se à localização física e/ou jurídica do bem imóvel, determinada pela sua posição geográfica e pelo registro imobiliário. Do ponto de vista teleológico, a norma busca garantir simplicidade, segurança jurídica, equilíbrio federativo e prevenção de conflitos de competência, alinhando-se aos princípios da territorialidade e da capacidade contributiva.

Para a perfeita compreensão da tributação do ITCMD, é essencial reconhecer que a "situação do bem" estabelece um critério funcional que vincula a competência tributária ao Estado com maior relação com o fato gerador (a transmissão do imóvel). Assim, a norma reflete a intenção do legislador constituinte de promover um sistema tributário justo, eficiente e compatível com as peculiaridades do federalismo brasileiro.

 Portanto, a "situação do bem" abrange, tanto o imóvel em si quanto os direitos reais a ele vinculados, desde que esses direitos tenham uma relação direta com a localização física ou jurídica do imóvel.

                                                                       Continua...

 



[1] Recursos Especiais Repetitivos e Incidentes de Assunção de Competência julgados pelo STJ

26/05/2025

O ITCMD E A REFORMA TRIBUTÁRIA - Parte 1

I.          Aspectos Tributários – Art. 155, I CF.

 1. Competência, Instituição e Abrangência

O Art. 155, I da Carta Magna, estabelece que:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

Portanto, o ITCMD abrange a transmissão causa mortis, daí ser chamado comumente de imposto sobre a herança, bem como, sobre as doações, ou seja, aquelas transmitidas a título não oneroso, gratuito; e em ambos os casos abrangerá quaisquer bens ou direitos.

2. Lacuna Regulatória – Ausência de Lei Complementar

2.1    Descompasso Temporal e Normativo

Com a promulgação da Carta Política Constitucional em 05.10.1988, o Art. 24, I, §§ 1º a 4º estabeleceu o Princípio da Concorrência Tributária, isto é, a União, entes federados e o Distrito Federal poderão legislar concorrentemente em matéria tributária; além disso, a concorrência da União está limitada a estabelecer normas gerais e os Estados deverão se valer da sua competência suplementar; bem como, na falta de normas gerais de âmbito federal, os Estados poderão exercer competência plena para legislar, atendendo suas particularidades; e por fim, advindo normatização federal, cessará os efeitos das normas gerais criadas pelos Estados, naquilo que for incompatível com aquela.

O artigo precedente foi ratificado pelos §§ 3º e 4º do art. 34 do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determinando que:

 “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores.”

..................................................................................

“§ 3º -  Promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto.”

§ 4º - As leis editadas nos termos do parágrafo anterior produzirão efeitos a partir da entrada em vigor do sistema tributário nacional previsto na Constituição.

 O art. 34, § 5º do ADCT, por sua vez, inaugurou o Princípio da Recepção do Sistema Tributário, assegurando a aplicação da legislação anterior, naquilo que não seja incompatível com a norma tributária e com a legislação editada nos termos §§ 3º e 4º acima mencionados.

Mediante este cenário normativo constitucional e sob a égide do Princípio da Recepção, a Lei nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966, publicada em 27.10.1966, que criou o Código Tributário Nacional – CTN e alçada ao status de lei complementar, trouxe em seu bojo, o art. 35 e seguintes que dispõe sobre as hipóteses de incidência do “Impôsto sôbre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a êles Relativos” – ITBID.

O art. 35, assim dispõe: “O impôsto, de competência dos Estados, sôbre a transmissão de bens imóveis e de direitos a êles relativos tem como fato gerador:

Note que o imposto é de competência dos Estados e incide sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos, portanto, o texto está desassociado da norma constitucional promulgada em 1988.

Com a ruptura do Sistema Tributário, a Carta Magna de 1988, promoveu cisão estrutural ao criar o ITCMD – Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação e de quaisquer bens ou direitos de competência Estadual (art. 155, I) e o ITBI – Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e sobre direitos reais - oneroso e inter vivos - de natureza municipal (156, II).

Esta bifurcação tornou incompatível, nos termos do Art. 34, § 5º do ADTC da Constituição Federal, a aplicação do art. 35 e seguintes do CTN ao ITCMD.

Em face dessa lacuna entre o novel sistema tributário e o regulado pelo CTN - editado, aliás, 22 anos antes da promulgação da atual Carta Constitucional -, e por não existir norma geral federal prevista no art. 24 I, § 1º; o art. 24, I § 3º combinado com o Art. 34, §§ 3º e 4º do ADTC, autorizou os Estados e o Distrito Federal editar suas próprias leis e de acordo com suas peculiaridades; todavia, ressaltou que, advindo norma federal naquilo que for incompatível com a norma estadual, cessará os efeitos desta.

Portanto, com base em tais premissas, os Estados criaram as suas respectivas leis regulamentadoras do ITCMD.

2.2     – A Doutrina

Neste mesmo sentido, diz Leandro Paulsen[1] “À luz da Constituição anteriores, aos Estados era outorgada competência para instituição de imposto sobre a transmissão, a qualquer título, de bens imóveis e direitos reais, sendo estabelecido pelo CTN seus fatos geradores, contribuintes e base de cálculo, inclusive no que se refere à transmissão “causa mortis”. Contudo, a Constituição de 1988 inova ao autorizar a imposição tributária sobre a transmissão causa mortis e doação “de qualquer bens e direitos”, o que enseja não apenas a tributação da transmissão de bens móveis como, também, a tributação dos chamados intangíveis.”

“Portanto, os artigos 35 a 42 do Código Tributário Nacional (CTN), editados antes da Constituição Federal de 1988, limitam-se a regular a transmissão, a qualquer título, inclusive causa mortis, de bens imóveis e direitos reais sobre eles, conforme definido na legislação civil. Esses dispositivos não abrangem a transmissão causa mortis e doação de “quaisquer bens ou direitos”, como previsto no artigo 155, I, da CF/88. Na ausência de lei complementar que discipline a tributação de bens móveis e intangíveis, os Estados e o Distrito Federal exercem, atualmente, competência legislativa plena para regulamentar a incidência do ITCMD sobre esses bens.”

Corroborado com este entendimento Leandro Paulsen[2] traz a seguinte citação:

“Não existindo lei complementar dispondo sobre normas gerais para os impostos sobre transmissão causa mortis e doação de bens móveis, os Estados-membros e o Distrito Federal podem legislar, por serem detentores da competência impositiva e também em razão da autorização contida no art. 34, §§ 3º à 5º, do ADCT e no art. 24, e parágrafos da CF. (FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e doação – ITCMD. RT. 2002 p. 59/60

2.3 Projeto de Lei Complementar Federal – Normas Gerais – Tramitação nas Casas Legislativas.

Passados quase 37 anos da promulgação na Constituição Federal de 1988, a lei complementar regulamentadora das normas gerais do ITCMD ainda não foi editada. Porém, em virtude da Reforma Tributária ocorrida no final de 2023, há em tramitação nas Casas Legislativas da Câmara do Deputados e do Senado Federal o Projeto de Lei Complementar - PLP 108/24 de autoria do Poder Executivo, onde  “ Institui o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS); dispõe sobre o processo administrativo tributário relativo ao lançamento de ofício do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), sobre a distribuição do produto da arrecadação do IBS aos entes federativos e sobre o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD); altera as Leis nºs 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), 1.079, de 10 de abril de 1950, e 14.113, de 25 de dezembro de 2020, as Leis Complementares nºs 63, de 11 de janeiro de 1990, 87, de 13 de setembro de 1996, 123, de 14 de dezembro de 2006, e 141, de 13 de janeiro de 2012, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.

O ITCMD está previsto no projeto de lei complementar a partir do Livro II e compreende os artigos 159 a 189.

2.3.1    – Status da Tramitação do Projeto de Lei Complementar

Por tratar-se de Projeto de Lei Complementar é necessário a apreciação Bicameral, isto é, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (art. 61 e seguintes CF).

O PLP 108/24, foi apresentado em 05.06.2024 pelo Poder Executivo à Câmara dos Deputados, sendo aprovada a redação final em 30.10.2024.

A Câmara em 08.11.24, enviou o texto aprovado ao Senado Federal, cujo recebimento ocorreu em 12.11.2024.

Atualmente o projeto se encontra na CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

2.3.2 – Urgência na Regulamentação do ITCMD

A iniciativa legislativa em curso confirma o reconhecimento institucional da necessidade de regulamentação específica, após décadas de funcionamento do tributo sem normas gerais uniformes, o que contribui, e muito, na insegurança jurídica relativamente aos atos práticos que envolvem este imposto.

A lacuna compromete, ainda, a coerência do sistema tributário nacional, violando os princípios constitucionais da isonomia e uniformidade tributária, além de prejudicar a eficiência arrecadatória dos Estados.

                                                                                      Continua...



[1] Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 10º Ed, 2008, Livraria do Advogado Editora, pag. 338.

[2] Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 10º Ed, 2008, Livraria do Advogado Editora, pag. 338 e 339