25/06/2025

O ITCMD e a Reforma Tributária - Parte 5

 

  1. Introdução

Com a Reforma Tributária originada pela PEC – Proposta de Emenda à Constituição nº 45/19 e convertida na EMC – Emenda Constitucional nº 132/23, o Art. 155, I da Constituição Federal que trata do ITCMD - Imposto sobre Transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos, teve o seu texto modificado no § 1º, II e a inclusão dos incisos VI e VII.

Além das mudanças mencionadas, a EMC nº 132/23 no art.16 trouxe “norma transitória”, onde regulamenta as doações e sucessões internacionais até que seja criada lei complementar conforme estabelecido no Art. 155 § 1º, III da Constituição Federal, motivado pela decisão do Tema 825 julgado pelo STF - Supremo Tribunal Federal, cuja tese de repercussão geral assim se firmou: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional.(Grifos, Itálicos e negritos nossos.)

Outra norma transitória, é o Art. 17 da EMC, onde determinou que a alteração do art. 155, § 1º, II, da Constituição Federal aplica-se às sucessões abertas a partir de 21.12.2023,  data de publicação da alteração constitucional.

As mudanças não param por aí, existem em tramitação nas Casas Legislativas (Câmara e Senado) projetos direcionados ao ITCMD e alteração  do CTN – Código Tributário Nacional;  cria lei complementar; bem como, redução e fixação de alíquotas máximas, são eles: PLP 67/21 (Câmara dos Deputados), apensados a este projeto estão os PLP 86/24 e PLP 115/24; PLP 108/24 (Câmara dos Deputados) a partir do art. 159 até o art. 189; PRS 57/19; PRS 10/23; PRS 9/25 (Senado Federal).

Pelo que se pode observar, o ITCMD trouxe novas perspectivas e desafios, que serão abordados nesta Parte 5, dando continuidade aos nossos estudos. 

II. Aspectos Tributários – Art. 155, I, § 1º, IV e VI CF.

1. Alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal e a sua Progressividade.

O Art. 155, I, § 1º, IV traz a redação originária, enquanto que o VI foi inserido pela EMC 132/23, estabelecendo o que seguinte:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:   

I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;      

§ 1º O imposto previsto no inciso I:

..........................................................................

IV – terá suas alíquotas máximas fixadas por resolução do Senado Federal;"

..........................................................................

VI - será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)

1.1. Tema 21 - Fixação de alíquota progressiva para o ITCMD.

Antes de entrar no cerne das normas constitucionais aqui tratadas, é importante lembrar que o Pleno do STF já havia se debruçado e decidido quanto à possibilidade da aplicação de alíquotas progressivas relacionadas ao ITCMD.

Trata-se do Tema 21 - Fixação de alíquota progressiva para o imposto sobre transmissão causa mortis e doação, através do leading case RE 562.045/RS, tendo sido fixada a seguinte tese: “É constitucional a fixação de alíquota progressiva para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCD.”

1.2 - Senado Federal - Regulação das Alíquota Máxima e sua Progressividade

Numa síntese apertada, a EMC 132/23 intensifica a importância da regulação da alíquota máxima pelo Senado, especialmente porque o inciso VI agora exige a progressividade da alíquota do ITCMD em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação. Isso implica que o Senado Federal poderá/deverá, por meio de resolução harmonizar o teto das alíquotas em face da obrigatoriedade constitucional da progressividade, cuja norma atual é a Resolução do Senado nº 9/1992, que fixa a alíquota máxima do ITCMD em 8% (oito por cento).

1.2.1 - Projetos de Resolução do Senado Federal

Há alguns projetos de Resolução do Senado em tramitação, tais como: PRS 57/19, cuja proposta é a elevação para o dobro da alíquota atual, isto é, de 8% para 16%, mas não traz a progressividade cuja justificativa baseia-se em: a) Fortalecimento financeiro dos Estados: A ampliação da alíquota máxima permitirá que Estados e o Distrito Federal elevem a arrecadação, aliviando suas dificuldades financeiras; b) Justiça Tributária: O aumento do ITCMD, um imposto direto sobre patrimônio, segue o princípio da capacidade contributiva, onerando principalmente os mais ricos, ao contrário de impostos indiretos (como os sobre consumo), que afetam desproporcionalmente as camadas menos favorecidas; e c) Alinhamento internacional: A proposta aproxima o Brasil das alíquotas praticadas em países desenvolvidos, como França (60%), Alemanha (50%), EUA (40%) e Japão (55%), embora ainda fique abaixo desses patamares.

Outra Proposta de Resolução do Senado é a PRS 9/25  que permanece com a alíquota de 8%, mas estabelece a progressividade, ou seja, já está em consonância com o Art. 155, I, § 1º, incisos IV e VI da Carta Política, alterada pela EMC 132/23, cuja tramitação encontra-se desde 27.05.2025 na CAE - Comissão de Assuntos Econômicos aguardando designação do relator.  Vejamos o texto proposto: 

 PROJETO DE RESOLUÇÃO DO SENADO Nº       , DE 2025

Estabelece as alíquotas máximas para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, de que tratam o art. 155, inciso I, e § 1º, incisos IV e VI, da Constituição Federal. O CONGRESSO NACIONAL decreta: 


Art. 1º As alíquotas máximas do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), nos termos do art. 155, § 1º, incisos IV e VI, da Constituição Federal, são: 

I – 1% (um por cento) sobre a parcela da base de cálculo que não exceda a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais); 

II – 2% (dois por cento) sobre a parcela da base de cálculo que exceda R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) até R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais); 

III – 3% (três por cento) sobre a parcela da base de cálculo que exceda R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); 

IV – 4% (quatro por cento) sobre a parcela da base de cálculo que exceda R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) até R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais); 

V – 5% (cinco por cento) sobre a parcela da base de cálculo que exceda R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais) até R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais); 

VI – 6% (seis por cento) sobre a parcela da base de cálculo que exceda R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) até R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais);

VII – 7% (sete por cento) sobre a parcela da base de cálculo que exceda R$ 75.000.000,00 (setenta e cinco milhões de reais) até R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais); 

VIII – 8% sobre a parcela da base de cálculo que exceda R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais). 

§ 1º Aplica-se à alíquota de que trata o inciso I, independentemente do valor, às terras e propriedades rurais e aos maquinários e bens agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura. 

§ 2º Os valores mencionados nos incisos do caput serão anualmente atualizados pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) ou por outro índice que venha a substituí-lo. 

Art. 2º Revoga-se a Resolução nº 9, de 1992. 

Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. 

A Proposta de Resolução do Senado (PRS 9/25) visa estabelecer alíquotas máximas progressivas para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), conforme exigido pela Emenda Constitucional nº 132/2023, que introduziu a progressividade obrigatória no ITCMD (art. 155, § 1º, inciso VI, CF). 

A justificação da proposta, pode ser resumida da seguinte forma:

  1. Adequação à Reforma Tributária: A Resolução nº 9/1992, que regula as alíquotas máximas do ITCMD, não prevê progressividade, exigindo atualização para atender ao novo comando constitucional.

  2. Proteção ao Setor Produtivo Agropecuário: A progressividade sobre o patrimônio, além da renda, pode onerar excessivamente setores estratégicos, como o agropecuário, que inclui terras, maquinários e bens vinculados à produção (agrícola, aquícola, pesqueira, florestal e extrativista). Esses bens são meios de produção, não riqueza estagnada, e sua tributação elevada pode comprometer a competitividade, a sucessão familiar rural, o emprego, a segurança alimentar e as exportações. 

  3. Tratamento Diferenciado: Propõe-se que transferências de propriedades rurais e bens produtivos sejam tributadas exclusivamente pela alíquota da primeira faixa do ITCMD, protegendo a capacidade produtiva e evitando confisco indireto de instrumentos essenciais. 

  4. Justiça e Sustentabilidade Econômica: A medida busca equilíbrio entre justiça tributária, racionalidade econômica e sustentabilidade federativa, preservando a geração de riqueza e arrecadação. 

  5. Atualização Monetária: Sugere-se a correção periódica dos valores pelo IPCA ou outro índice, para manter a progressividade justa e alinhada ao contexto econômico.

Sem entrar no mérito da questão, haja vista tratar-se de projeto de resolução do Senado em tramitação, é de se observar que o § 1º, Inciso I do Art. 1º do PRS 09/25 deverá encontrar resistência insanável para sua aprovação, na medida em que cria um benefício fiscal baseado na progressividade das alíquotas para um determinado segmento econômico que é a agropecuária, ferindo vários princípios constitucionais e gerando insegurança jurídica.

2. ITCMD -Leis Estaduais e Progressividade da Alíquota.

Antes mesmo do Tema 21 - Fixação de alíquota progressiva para o imposto sobre transmissão causa mortis e doação, através do leading case RE 562.045/RS, cuja tese fixada foi “É constitucional a fixação de alíquota progressiva para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCD.”, alguns Estados já previam e outros não a possibilidade da progressividade da alíquota. 

Além disso, as leis estaduais que regulamentam o ITCMD devem respeitar o limite de 8% até que uma nova resolução do Senado seja aprovada e eventualmente altere o limite da norma atual.

2.1 São Paulo - Projeto de Lei - Alíquotas Progressivas 

No Estado de São Paulo a norma que rege o ITCMD é a Lei nº 10.705/2000, art. 16, que prevê alíquota fixa de 4%, portanto, não há progressividade.

Na Alesp - Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo está em tramitação o Projeto de Lei nº 409/25, que altera a redação do art. 16, inserindo a progressividade até o patamar da alíquota atual, ou seja, 4% (Quatro por cento). 

O projeto de lei estabelece que o imposto sobre herança e doação será de 1% (um por cento) sobre a parcela da base de cálculo que for igual ou inferior a 10.000 (dez mil) UFESPs; 2% (dois por cento) sobre a parcela da base de cálculo que exceder 10.000 (dez mil) UFESPs e for igual ou inferior a 85.000 (oitenta e cinco mil) UFESPs; 3% (três por cento) sobre a parcela da base de cálculo que exceder 85.000 (oitenta e cinco mil) UFESPs e for igual ou inferior a 280.000 (duzentos e oitenta mil) UFESPs; e de 4% (quatro por cento) sobre a parcela da base de cálculo que exceder 280.000 (duzentos e oitenta mil) UFESPs.

Estabelece, ainda, um método de cálculo progressivo baseado na divisão da base de cálculo em faixas de valores convertidas em UFESP, com alíquotas específicas para cada faixa, e o imposto final é a soma dos valores apurados em cada parcela.

Exemplo Prático

Cenário 1: Doação há único donatário

O ITCMD devido para um imóvel de 300.000 UFESPs, com base no art. 1º e §§ 1º e 2º do PL 409/25, é de 8.250 UFESPs x R$ 37,02 (Valor da UFESP - 2025) = R$ 305.415,00, calculado conforme o método progressivo por faixas.

Faixa de Valores (UFESPs)

Base de Cálculo na Faixa (UFESPs)

Alíquota (%)

Imposto por Faixa (UFESPs)

Imposto por Faixa (R$)

0 a 10.000

10.000

1%

100

R$ 3.702,00

10.001 a 85.000

75.000

2%

1.500

R$ 55.530,00

85.001 a 280.000

195.000

3%

5.850

R$ 216.567,00

280.001 a 300.000

20.000

4%

800

R$ 29.616,00

Total

300.000

-

8.250

R$ 305.415,00

Cenário 2: Herança a 3 herdeiros.

Neste cenário, o de cujus deixa o imóvel para 3 herdeiros, onde o ITCMD total é de 6.150 UFESPs x R$ 37.02= R$ 227.673,00 e 2.050 UFESPs (R$ 75.891,00) por herdeiro.

Observe que  a progressividade por quinhão (art. 155, § 1º, VI, CF/88) reduz o imposto na herança, pois cada quinhão menor atinge alíquotas inferiores. 

Faixa de Valores (UFESPs)

Base de Cálculo na Faixa (UFESPs)

Alíquota (%)

Imposto por Faixa (UFESPs)

Imposto por Faixa (R$)

0 a 10.000

10.000

1%

100

R$ 3.702,00

10.001 a 85.000

75.000

2%

1.500

R$ 55.530,00

85.001 a 280.000

15.000

3%

450

R$ 16.659,00

280.001 em diante

0

4%

0

R$ 0,00

Total por Herdeiro

100.000

-

2.050

R$ 75.891,00

Total (3 Herdeiros)

300.000

-

6.150

R$ 227.673,00

2.2 Alguns Estados que já possuíam Alíquotas Progressivas antes da EMC 132/23

No Rio de Janeiro a regra do ITCMD é a Lei nº 7.174/2015, art. 26, que adota alíquotas progressivas de 4% (Quatro por Centos) até 8% (Oito por Cento).

No Distrito Federal as alíquotas progressivas são de 4% (quatro por cento) até 6% (seis por cento) do imposto sobre herança e doação e estão previstas no art. 9º  Lei nº 3.804/2006. 

Citamos, ainda, outros Estados que adotam a alíquota progressiva relativo ao ITCMD, mas sempre respeitando o teto de 8% (oito por cento) estabelecido pela RSF nº 9/92; tais como: Pernambuco são as Leis nº 13.974/09 art. 8º e 15601/15 Anexo Único, estabelecendo as alíquotas de 2% (dois por cento) até 8% (oito por cento) e Santa Catarina é a Lei nº 13.136/2004, art. 9º cuja alíquota está entre 1% (um por cento) à 7% (sete por cento).

No caso do Acre, o ITCMD está regulado pela Lei Complementar nº 271/13, modificada pela LC 373/20 em seus artigos 14 e 15 que determinam alíquotas fixas para a transmissão causa mortis de 4% (quatro por cento) e para a doação de 2% (dois por cento).  

2.3 Conclusão

A EMC 132/23 trouxe mudanças significativas ao ITCMD, com impactos nos incisos IV e VI do art. 155, § 1º da CF. O inciso IV reforça o papel do Senado na fixação de alíquotas máximas, que podem ser elevadas para acomodar a progressividade obrigatória do inciso VI. 

As leis estaduais estão em processo de adequação, especialmente para implementar a progressividade, enquanto a jurisprudência do STF continua a moldar a interpretação do ITCMD, como nos casos de bens no exterior e a progressividade das alíquotas.

 A doutrina destaca a necessidade de harmonia entre autonomia estadual e uniformidade nacional, e os operadores do direito e contadores devem monitorar as mudanças legislativas para otimizar planejamentos sucessórios.

Continua...