I. Introdução
Com a Reforma Tributária originada pela PEC – Proposta de Emenda à Constituição nº 45/19 e convertida na EMC – Emenda Constitucional nº 132/23, o Art. 155, I da Constituição Federal que trata do ITCMD - Imposto sobre Transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos, teve o seu texto modificado no § 1º, II e a inclusão dos incisos VI e VII.
Além das mudanças mencionadas, a EMC nº 132/23 no art.16 trouxe “norma transitória”, onde regulamenta as doações e sucessões internacionais até que seja criada lei complementar conforme estabelecido no Art. 155 § 1º, III da Constituição Federal, motivado pela decisão do Tema 825 julgado pelo STF - Supremo Tribunal Federal, cuja tese de repercussão geral assim se firmou: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.(Grifos, Itálicos e negritos nossos.)
Outra norma transitória, é o Art. 17 da EMC, onde determinou que a alteração do art. 155, § 1º, II, da Constituição Federal aplica-se às sucessões abertas a partir de 21.12.2023, data de publicação da alteração constitucional.
As mudanças não param por aí, existem em tramitação nas Casas Legislativas (Câmara e Senado) projetos direcionados ao ITCMD e alteração do CTN – Código Tributário Nacional; cria lei complementar; bem como, redução e fixação de alíquotas máximas, são eles: PLP 67/21 (Câmara dos Deputados), apensados a este projeto estão os PLP 86/24 e PLP 115/24; PLP 108/24 (Câmara dos Deputados) a partir do art. 159 até o art. 189; PRS 57/19; PRS 10/23; PRS 9/25 (Senado Federal).
Pelo que se pode observar, o ITCMD trouxe novas perspectivas e desafios, que serão abordados nesta Parte 4, dando continuidade aos nossos estudos.
II. Aspectos Tributários – Art. 155, I, § 1º, III CF.
1. ITCMD - Doação e sucessão no Exterior.
1.1. Competência e Domicílio
A EMC 132/23, não trouxe nenhuma mudança no art. 155, I, § 1º, III da Constituição Federal, mas trouxe em seu art. 16 norma transitória, regulamentando a doação e a sucessão no exterior.
Vejamos o que dispõe o texto constitucional:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
§ 1º O imposto previsto no inciso I:
...........................................................
III - terá competência para sua instituição regulada por lei complementar:
a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;”
b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;
O art. 155, § 1º, III, da CF/88 estabelece que a competência para instituir o ITCMD em hipóteses que envolvam conexão com o exterior (bens localizados fora do país ou partes domiciliadas no exterior) depende de regulamentação por lei complementar.
Com o intuito de mitigar a falta de lei complementar e em face da tese firmada pelo STF através do Tema 825 de Repercussão Geral, a EMC 132/2, trouxe, “norma transitória”, através do seu art. 16, onde estabelece que:
Art. 16. Até que lei complementar regule o disposto no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, o imposto incidente nas hipóteses de que trata o referido dispositivo competirá:
I - relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;
II - se o doador tiver domicílio ou residência no exterior:
a) ao Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal;
b) se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal;
III - relativamente aos bens do de cujus, ainda que situados no exterior, ao Estado onde era domiciliado, ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o sucessor ou legatário, ou ao Distrito Federal.
Portanto, o Art. 16 da Emenda Constitucional nº 132/23 estabelece regras transitórias para a competência do ITCMD nas hipóteses previstas no art. 155, § 1º, III, da CF/88, até que lei complementar regule a matéria.
O dispositivo define:
1. Bens imóveis: A competência para instituir o ITCMD é do Estado onde o bem está situado ou do Distrito Federal.
2. Doações com doador no exterior: a)Se o donatário (receptor) tem domicílio no Brasil, a competência é do Estado do domicílio do donatário ou do Distrito Federal; b) Se o donatário também reside no exterior, a competência é do Estado onde o bem está localizado ou do Distrito Federal.
3. Heranças (bens do “de cujus”): A competência é do Estado onde o falecido era domiciliado. Se o falecido residia no exterior, a competência é do Estado do domicílio do sucessor ou legatário ou do Distrito Federal.
Essas regras visam suprir a lacuna legislativa e permitir a cobrança do ITCMD em situações com conexão internacional, respeitando os princípios constitucionais, até a edição da lei complementar exigida.
1.2. Jurisprudência do STF antes da EC 132/2023 - Tema 825 de Repercussão Geral
O STF - Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 851.108/SP (Tema 825 de Repercussão Geral), analisou a competência para legislar sobre o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) nas hipóteses previstas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal (CF), que envolvem elementos de conexão com o exterior (bens, residência, domicílio ou inventário processado fora do Brasil). Vejamos de forma resumida a ementa da decisão:
a) Competência Concorrente: A União deve editar normas gerais (art. 146, III, a, CF), enquanto Estados e Distrito Federal podem suplementá-las. Na ausência de norma geral federal, as unidades federadas podem legislar plenamente, mas a edição de norma geral federal suspende a eficácia de leis estaduais ou distritais (art. 24, CF).
b) Regras do ITCMD: A CF define a competência tributária com base na natureza dos bens:
- Imóveis: competência do Estado onde estão localizados.
- Bens móveis, títulos e créditos: competência do Estado onde se processa o inventário ou onde o doador tem domicílio.
c) Exigência de lei complementar: Para casos com conexão internacional (art. 155, § 1º, III, CF), é necessária lei complementar federal para definir a competência tributária. Sem essa lei, Estados e Distrito Federal não podem legislar supletivamente para instituir o ITCMD em tais hipóteses.
d) Eficácia contida: Leis estaduais, como o art. 4º da Lei Paulista nº 10.705/00, que tratam de ITCMD com conexão internacional, têm eficácia limitada até a edição da lei complementar federal exigida.
e) Decisão: O STF negou provimento ao recurso, fixando a tese de que é inconstitucional a cobrança do ITCMD por Estados ou Distrito Federal nas hipóteses do art. 155, § 1º, III, CF, sem a edição da lei complementar exigida.
f) Modulação dos efeitos: A decisão tem eficácia ex nunc (a partir da publicação do acórdão), ressalvando ações judiciais pendentes que discutam bitributação ou validade da cobrança do imposto não pago anteriormente.
g) Tese fixada: “É vedado aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.
1.3. Tramitação de Projeto de Lei Complementar na Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Neste sentido, há o Projeto de Lei Complementar - PLP 108/24 que “Institui (...) o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD); altera as Leis nºs 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional),(...)”; oriundo da Casa Iniciadora da Câmara dos Deputados que estabelece as normas gerais para o ITCMD a partir do art. 159 até o art. 189, cujo texto foi enviado em 08.11.2024 à Casa Revisora do Senado Federal, onde segue em tramitação na CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.
Portanto, por falta de lei complementar federal instituidora das normas gerais que regulam o ITCMD, mais especificamente no que tange ao fato gerador, base de cálculo, alíquota, prevista no art. 146, III, “a” da CF, o legislador Constituinte permitiu que os Estados e o Distrito Federal editassem suas próprias leis, atendendo suas peculiaridades baseado no Princípio Constitucional da Competência Concorrente Plena autorizado pelo art. 24,I, § 3º da CF; o STF por sua vez, através do Tema 825 chancelou este entendimento e o art. 16 da EMC 132/23 mitigou temporariamente a falta de norma geral federal.
Esta lacuna está sendo fechada, na medida em que existe em tramitação nas Casas Legislativas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal o projeto de lei complementar PLP 108/24.
Continua...
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