05/01/2015

ISS – Análises Clínicas – Incidência no Município onde o serviço é contratado – Decide 1ª Turma do STJ.

A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Resp nª 1.439.753/PE de relatoria do ministro Arnaldo Esteves Lima cujos contendores são o Laboratório de Análises Clínicas Gilson Cidrim S/C Ltda na condição de Recorrente e o município de Jaboatão dos Guararapes, Estado do Pernambuco na condição de recorrido; decidiram por maioria de votos que o ISS – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza incide no município onde se localiza o estabelecimento coletor do material biológico a ser analisado; no caso aqui tratado, sua incidência deverá ocorrer no município de Jaboatão dos Guararapes e não naquele pretendido pelo Recorrente cujas análises clínicas são feitas na Cidade do Recife. O acórdão foi lavrado pelo ministro Benedito Gonçalves.

No relatório da decisão foi consignado que a recorrente “Assevera que presta serviço de análise clínica e, em razão dessa atividade, possui uma unidade no Município de Jaboatão dos Guararapes destinada à coleta de material biológico, que entende constituir serviço relacionado à mera atividade-meio, não sujeita à tributação pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS. Alega que a atividade-fim seria a efetiva análise clínica desse material, a qual é realizada no Município de Recife, onde entende ser devido o tributo. Aduz que, ao não decidir dessa forma, o Tribunal de origem teria contrariado o disposto no art. 4º da Lei Complementar 116⁄03”.
“Aduz que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que "o município competente para realizar a cobrança do ISS é aquele em que estiver configurada uma organização necessária ao exercício da atividade do contribuinte, considerando-se, portanto, o local em que situado o complexo de bens e equipamentos necessários ao fiel desenvolvimento das atividades econômicas" (fl. 45e).
“Segue afirmando que o acórdão recorrido violou o art. 420 do CPC, ao não possibilitar "a realização de perícia técnica a fim de comprovar que a integralidade dos serviços de análises clínicas é efetivamente realizada no Recife, bem como para comprovar o devido pagamento do ISS sobre tais serviços" (fl. 43e).
Por fim, “Defende haver divergência em relação aos acórdãos proferidos nos seguintes julgados: REsp 883.254⁄MG, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, DJ 28⁄02⁄08; REsp 1.160.253⁄ MG, Rel. Min. CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJe 19⁄08⁄10”.

O ministro relator Arnaldo Esteves Lima ao proferir o seu voto assim o fez:

“Inicialmente, tendo o Tribunal de origem se pronunciado de forma clara e precisa sobre as questões postas nos autos, tal como ocorreu no presente caso, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, não há falar em afronta ao art. 535 do CPC, não se devendo confundir "fundamentação sucinta com ausência de fundamentação (REsp 763.983⁄RJ, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, DJ 28⁄11⁄05)”.

“No tocante à suscitada ofensa ao art. 420 do CPC, não há dúvidas, de acordo com os autos, quanto às atividades desenvolvidas pela recorrente tanto no Município de Jaboatão dos Guararapes quanto no Município de Recife, de modo que se mostra absolutamente desnecessária a realização de prova pericial para tal finalidade, assim como com o objetivo de comprovar os valores pagos a título de ISS”.

Ressalto, outrossim, que, em relação ao acórdão apontado como paradigma oriundo da Primeira Turma (REsp 883.254⁄MG, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 28⁄02⁄08), não verifico a suscitada divergência jurisprudencial. Aqueles autos versam sobre a incidência de ISS sobre serviços acessórios, em contraposição à incidência do ICMS, devido sobre a atividade essencial de telecomunicação, que em nada se identifica com a prestação de serviços de análise clínica, tratada nos presentes autos. Pouco importa, nesse contexto, o debate a respeito de atividade-fim e atividade-meio travado naquele julgado. Assim, sobressai a ausência de similitude fática entre os casos confrontados”.
“O recorrente também aponta como paradigma o acórdão proferido pela Segunda Turma (REsp 1.160.253⁄ MG, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 19⁄08⁄10), no qual restou decidido que "a municipalidade competente para realizar a cobrança do ISS é a do local do estabelecimento prestador dos serviços. Considera-se como tal a localidade em que há uma unidade econômica  ou profissional, isto é, onde a atividade é desenvolvida, independentemente de ser formalmente considerada como sede ou filial da pessoa jurídica".

“No entanto, a tese exposta nesse último paradigma não socorre aos argumentos apresentados pela parte recorrente, pois o acórdão recorrido se alinha à tese ali adotada. Quer dizer, não há a suscitada divergência jurisprudencial, conforme se passa a expor”.

“Narram os autos que a recorrente presta serviços de análise clínica e de diagnose preventiva no Estado de Pernambuco. Propôs a presente ação visando à declaração de inexistência de relação jurídico-tributária no tocante ao Município de Jaboatão dos Guararapes quanto à incidência de ISS sobre os serviços de coleta de material biológico que ali realiza. Assevera que todo o material colhido é encaminhado ao Município de Recife, onde ocorre, de fato e integralmente, a análise clínica”.

“Discute-se, em essência, a definição do sujeito ativo do ISS quando a coleta de material biológico dá-se em unidade do laboratório estabelecida em local distinto daquele onde ocorre a efetiva análise desse material”.

“De acordo com os arts. 146, III, "a", e 156, III, da Constituição Federal, compete aos municípios e ao Distrito Federal instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar, a qual, por sua vez, também cabe estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e suas espécies, bem como os respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”.

“Desse modo, segundo o texto constitucional, cabe à lei complementar, entre outros, definir o fato gerador do ISS, quer dizer, os serviços submetidos à incidência do tributo, assim como sua base de cálculo. Com efeito, a descrição hipotética do denominado fato jurídico tributário é matéria reservada à lei complementar”.

“As normas aplicáveis ao ISS eram definidas pelo Decreto-Lei 406⁄68. A Lei Complementar 116⁄03 revogou alguns dispositivos do referido diploma legal, trazendo nova disciplina, em especial, quanto ao sujeito ativo da relação jurídico-tributária”.

Dispõe a Lei Complementar 116⁄03, no que interessa:

Art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local:
.....................................................................................................

Art. 4º. Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-los as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou conta ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas. (grifos nossos)

“Ressalto que esta Corte Superior, por ocasião do julgamento do REsp 1.060.210⁄SC, processado e julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, dirimiu a controvérsia sobre o município competente para instituir o tributo do ISS nos casos de operações de leasing da seguinte forma: "(b) O sujeito ativo da relação tributária, na vigência do DL 406⁄68, é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12); (c) a partir da LC 116⁄03, é aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento - núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo" (REsp 1.060.210⁄SC, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Primeira Seção, DJe 5⁄3⁄13)”.

“Em outras palavras, o Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão segundo a qual, na vigência do Decreto-lei 406⁄68, o ISS era devido na sede do estabelecimento prestador. Com a superveniência da Lei Complementar 116⁄03, caso dos autos, passou a ser exigível pelo município em que o serviço é prestado e haja agência, filial ou qualquer unidade econômica ou profissional do contribuinte”.

“Desse modo, o fato de haver unidade econômica ou profissional da parte recorrente em Jaboatão dos Guararapes autoriza aquele Município, em tese, a exigir o tributo”.

“Em relação à circunstância de incidir sobre a coleta de material ou sobre a análise clínica propriamente dita, cabe tecer algumas considerações”.

"Leciona Geraldo Ataliba que a hipótese de incidência constitui a descrição genérica e hipotética de um fato. O fato imponível, por sua vez, seria aquele concretamente ocorrido no mundo fenomênico, empiricamente verificável. Adiante, esclarece o renomado e saudoso tributarista, ao discorrer sobre o caráter unitário do fato imponível (Hipótese de Incidência Tributária. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 73):”

27.3 Pois, cada fato imponível é um todo uno (unitário) e incindível determina o nascimento de uma obrigação tributária.

“É uma unidade lógica, entidade una, somente identificável consigo mesma. Por mais variados e diversos que sejam os fatos que o integram, como dados ou elementos pré-jurídicos, o fato imponível como tal – ou seja, como ente do mundo jurídico – é uno e simples, irredutível em sua simplicidade, indivisível e indecomponível”.

27.4 Não há, em consequência, dois fatos imponíveis iguais: cada fato imponível só se identifica consigo mesmo e dá nascimento a uma obrigação distinta. Cada fato imponível se subsume inteiramente à hipótese de incidência a que corresponde.

27.5. Uma hipótese de incidência – enquanto viger a lei que a contém – pode cobrir milhões de fatos imponíveis. Cada qual será uno e inconfundível com os demais, por mais acentuados que sejam os traços de semelhança que apresentem entre si. Ainda quando as circunstâncias de tempo e lugar sejam as mesmas, bem como os sujeitos e a base imponível, ainda assim, cada fato imponível é uma individualidade. E nesta individualidade estarão todas as características previstas hipoteticamente pela hipótese de incidência a que corresponde.

“Por conseguinte, não há como falar em decomposição do fato imponível”.

“O ISS recai, em regra, sobre a prestação de serviços de qualquer natureza realizada de forma onerosa a terceiros. Assim, quando há mera remessa do material biológico colhido para análise entre outra unidade do mesmo contribuinte não há fato gerador do tributo, à míngua de relação jurídico-tributária com terceiros e de onerosidade. A hipótese se assemelha, no que for cabível, ao enunciado da Súmula 166⁄STJ, verbis:”

“Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

“A função econômica precípua desenvolvida pelo laboratório recorrente não é coletar material biológico, embora referido serviço constitua hipótese de incidência do ISS, por se encontrar expressamente previsto na lista anexa à Lei Complementar 116⁄03, mas sim proceder à sua análise clínica, serviço este também integrante da lista”.

“Pela natureza das atividades que desenvolve, o laboratório recorrente compromete-se a entregar o laudo com o resultado das análises clínicas realizadas a partir do material colhido. O fato gerador se concretiza com a prestação desse serviço. A mera colheita, sem a indispensável análise, não tem nenhum sentido. O cliente paga pelo exame clínico, que vem materializado no laudo que lhe é entregue”.

“Ressalto que o serviço pode limitar-se à mera coleta de material caso seja necessária sua remessa a outro laboratório no Brasil ou exterior, possivelmente para análise por entidade detentora de equipamento mais avançado em termos tecnológicos. Nesse caso, o fato gerador seria aquele preconizado pelo item 4.20 (coleta de material biológico) da lista anexa à Lei Complementar 116⁄03, na medida em que a efetiva análise clínica e a feitura do laudo correspondente caberia a outro contribuinte”.

“No entanto, no caso dos presentes autos, a unidade da parte recorrente colhe o material para ela mesma analisá-la clinicamente em outra unidade, situada em município diverso. O consumidor paga por esse serviço diretamente ou por meio de plano de saúde, se for o caso. Desse modo, tem-se que o fato imponível, passível da incidência do ISS, é a análise clínica, de que cuida o Item 4.02 da lista anexa à Lei Complementar 116⁄03”.

“De acordo com o art. 7º, caput, da referida lei, a base de cálculo do imposto é o preço do serviço. A divisão da base de cálculo entre os municípios envolvidos na prestação de serviços é admitida pela lei tão somente quando o serviço prestado for o correspondente ao preconizado pela item 3.04 da lista anexa, qual seja, locação, sublocação, arrendamento, direito de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza, hipótese diversa da tratada nos presentes autos”.

“Nesse contexto, a sustentada divisão entre atividade-meio e atividade-fim não se mostra capaz, por si só, de modificar a competência tributária. Na unidade econômica ou profissional do contribuinte em que o cliente colher o material, pagar pelo serviço de análise clínica e receber a nota fiscal será devido o ISS, pouco importando onde ocorra, por uma questão de organização administrativa interna, a efetiva análise clínica”.

“Em resumo, se o contribuinte colhe material do cliente em unidade situada em determinado município e realiza a análise clínica em outro, o ISS é devido ao primeiro município, em que estabelecida a relação jurídico-tributária, e incide sobre a totalidade do preço do serviço pago, não havendo falar em fracionamento, à míngua da impossibilidade técnica de se dividir ou decompor o fato imponível”.

Neste diapasão, foi elaborada a ementa do acórdão nos seguintes termos:

EMENTA

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS. COLETA DE MATERIAL. UNIDADES DIVERSAS. LOCAL DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. Discussão a respeito da definição do sujeito ativo do ISS quando a coleta do material biológico dá-se em unidade do laboratório estabelecida em município distinto daquele onde ocorre a efetiva análise clínica.
2. "A municipalidade competente para realizar a cobrança do ISS é a do local do estabelecimento prestador dos serviços. Considera-se como tal a localidade em que há uma unidade econômica ou profissional, isto é, onde a atividade é desenvolvida,independentemente de ser formalmente considerada com sede ou filial da pessoa jurídica" (REsp 1.160.253⁄MG, Rel. Min. CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJe de 19⁄8⁄10).
3. Na clássica lição de Geraldo Ataliba, "cada fato imponível é um todo uno (unitário) e incindível e determina o nascimento de uma obrigação tributária" (Hipótese de Incidência Tributária. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 73).
4. O ISS recai sobre a prestação de serviços de qualquer natureza realizada de forma onerosa a terceiros. Se o contribuinte colhe material do cliente em unidade situada em determinado município e realiza a análise clínica em outro, o ISS é devido ao primeiro município, em que estabelecida a relação jurídico-tributária, e incide sobre a totalidade do preço do serviço pago, não havendo falar em fracionamento, à míngua da impossibilidade técnica de se dividir ou decompor o fato imponível.
5. A remessa do material biológico entre unidades do mesmo contribuinte não constitui fato gerador do tributo, à míngua de relação jurídico-tributária com terceiros ou onerosidade. A hipótese se assemelha, no que lhe for cabível, ao enunciado da Súmula 166⁄STJ, verbis: "Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de uma para outro estabelecimento do mesmo contribuinte".
6. Recurso especial conhecido e não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Sérgio Kukina, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Benedito Gonçalves (RISTJ, art. 52, IV, b). Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves e Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 06 de novembro de 2014(Data do Julgamento)


MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
Relator p⁄ Acórdão
(RISTJ, art. 52, IV, b)


Como se observa, e em que pese à colenda decisão da 1ª Turma do STJ, é certo, que o assunto está longe de ser pacificado e faço coro aos votos vencidos dos ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Sérgio Kukina ao relembrarem o leading case sobre “leasing” julgado pela Corte Superior do STJ consubstanciado no REsp 1.060.210⁄SC.


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