A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o
Resp nª 1.439.753/PE de relatoria do ministro Arnaldo Esteves Lima cujos
contendores são o Laboratório de Análises Clínicas Gilson Cidrim S/C Ltda na
condição de Recorrente e o município de Jaboatão dos Guararapes, Estado do Pernambuco
na condição de recorrido; decidiram por maioria de votos que o ISS – Imposto sobre
Serviços de Qualquer Natureza incide no município onde se localiza o estabelecimento
coletor do material biológico a ser analisado; no caso aqui tratado, sua
incidência deverá ocorrer no município de Jaboatão dos Guararapes e não naquele
pretendido pelo Recorrente cujas análises clínicas são feitas na Cidade do Recife.
O acórdão foi lavrado pelo ministro Benedito Gonçalves.
No relatório da decisão foi consignado que a
recorrente “Assevera que presta
serviço de análise clínica e, em razão dessa atividade, possui uma unidade
no Município de Jaboatão dos Guararapes destinada à coleta de material
biológico, que entende constituir serviço relacionado à mera
atividade-meio, não sujeita à tributação pelo Imposto sobre Serviços de
Qualquer Natureza – ISS. Alega que a atividade-fim seria a efetiva análise
clínica desse material, a qual é realizada no Município de Recife, onde entende
ser devido o tributo. Aduz que, ao não decidir dessa forma, o Tribunal de
origem teria contrariado o disposto no art. 4º da Lei Complementar 116⁄03”.
“Aduz
que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que
"o município competente para realizar a cobrança do ISS é aquele em
que estiver configurada uma organização necessária ao exercício da
atividade do contribuinte, considerando-se, portanto, o local em que
situado o complexo de bens e equipamentos necessários ao fiel desenvolvimento
das atividades econômicas" (fl. 45e).
“Segue
afirmando que o acórdão recorrido violou o art. 420 do CPC, ao não possibilitar
"a realização de perícia técnica a fim de comprovar que a integralidade
dos serviços de análises clínicas é efetivamente realizada no Recife, bem
como para comprovar o devido pagamento do ISS sobre tais serviços"
(fl. 43e).
Por fim, “Defende
haver divergência em relação aos acórdãos proferidos nos seguintes julgados:
REsp 883.254⁄MG, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, DJ 28⁄02⁄08; REsp 1.160.253⁄
MG, Rel. Min. CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJe 19⁄08⁄10”.
O ministro relator Arnaldo Esteves Lima ao proferir o
seu voto assim o fez:
“Inicialmente,
tendo o Tribunal de origem se pronunciado de forma clara e precisa sobre
as questões postas nos autos, tal como ocorreu no presente caso, assentando-se
em fundamentos suficientes para embasar a decisão, não há falar em afronta
ao art. 535 do CPC, não se devendo confundir "fundamentação sucinta
com ausência de fundamentação (REsp 763.983⁄RJ, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI,
Terceira Turma, DJ 28⁄11⁄05)”.
“No
tocante à suscitada ofensa ao art. 420 do CPC, não há dúvidas, de acordo com
os autos, quanto às atividades desenvolvidas pela recorrente tanto no Município
de Jaboatão dos Guararapes quanto no Município de Recife, de modo que se
mostra absolutamente desnecessária a realização de prova pericial para tal
finalidade, assim como com o objetivo de comprovar os valores pagos a
título de ISS”.
Ressalto,
outrossim, que, em relação ao acórdão apontado como paradigma oriundo da
Primeira Turma (REsp 883.254⁄MG, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 28⁄02⁄08), não verifico
a suscitada divergência jurisprudencial. Aqueles autos versam sobre a
incidência de ISS sobre serviços acessórios, em contraposição à incidência
do ICMS, devido sobre a atividade essencial de telecomunicação, que em
nada se identifica com a prestação de serviços de análise clínica, tratada
nos presentes autos. Pouco importa, nesse contexto, o debate a respeito de atividade-fim
e atividade-meio travado naquele julgado. Assim, sobressai a ausência de
similitude fática entre os casos confrontados”.
“O
recorrente também aponta como paradigma o acórdão proferido pela Segunda Turma
(REsp 1.160.253⁄ MG, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 19⁄08⁄10), no qual restou decidido
que "a municipalidade competente para realizar a cobrança do ISS é a do
local do estabelecimento prestador dos serviços. Considera-se como tal a
localidade em que há uma unidade econômica ou profissional, isto é,
onde a atividade é desenvolvida, independentemente de ser formalmente
considerada como sede ou filial da pessoa jurídica".
“No
entanto, a tese exposta nesse último paradigma não socorre aos argumentos apresentados
pela parte recorrente, pois o acórdão recorrido se alinha à tese ali adotada.
Quer dizer, não há a suscitada divergência jurisprudencial, conforme se
passa a expor”.
“Narram
os autos que a recorrente presta serviços de análise clínica e de diagnose preventiva
no Estado de Pernambuco. Propôs a presente ação visando à declaração de inexistência
de relação jurídico-tributária no tocante ao Município de Jaboatão dos
Guararapes quanto à incidência de ISS sobre os serviços de coleta de
material biológico que ali realiza. Assevera que todo o material colhido é
encaminhado ao Município de Recife, onde ocorre, de fato e integralmente,
a análise clínica”.
“Discute-se,
em essência, a definição do sujeito ativo do ISS quando a coleta de material
biológico dá-se em unidade do laboratório estabelecida em local distinto
daquele onde ocorre a efetiva análise desse material”.
“De
acordo com os arts. 146, III, "a", e 156, III, da Constituição
Federal, compete aos municípios e ao Distrito Federal instituir impostos
sobre serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar, a
qual, por sua vez, também cabe estabelecer normas gerais em matéria de
legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e suas
espécies, bem como os respectivos fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes”.
“Desse
modo, segundo o texto constitucional, cabe à lei complementar, entre outros,
definir o fato gerador do ISS, quer dizer, os serviços submetidos à incidência
do tributo, assim como sua base de cálculo. Com efeito, a descrição
hipotética do denominado fato jurídico tributário é matéria reservada à
lei complementar”.
“As
normas aplicáveis ao ISS eram definidas pelo Decreto-Lei 406⁄68. A Lei Complementar
116⁄03 revogou alguns dispositivos do referido diploma legal, trazendo nova disciplina,
em especial, quanto ao sujeito ativo da relação jurídico-tributária”.
Dispõe
a Lei Complementar 116⁄03, no que interessa:
Art. 3º O serviço considera-se prestado
e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou,
na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto
nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido
no local:
.....................................................................................................
Art. 4º. Considera-se
estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva
a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e
que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes
para caracterizá-los as denominações de sede, filial, agência, posto de
atendimento, sucursal, escritório de representação ou conta ou quaisquer outras
que venham a ser utilizadas. (grifos nossos)
“Ressalto
que esta Corte Superior, por ocasião do julgamento do REsp 1.060.210⁄SC,
processado e julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, dirimiu a controvérsia
sobre o município competente para instituir o tributo do ISS nos casos de
operações de leasing da seguinte forma: "(b) O sujeito
ativo da relação tributária, na vigência do DL 406⁄68, é o Município da
sede do estabelecimento prestador (art. 12); (c) a partir da LC 116⁄03, é
aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é
perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade
econômica ou profissional da instituição financeira com poderes decisórios
suficientes à concessão e aprovação do financiamento - núcleo da operação de
leasing financeiro e fato gerador do tributo" (REsp 1.060.210⁄SC,
Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Primeira Seção, DJe 5⁄3⁄13)”.
“Em
outras palavras, o Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão segundo a qual,
na vigência do Decreto-lei 406⁄68, o ISS era devido na sede do estabelecimento
prestador. Com a superveniência da Lei Complementar 116⁄03, caso dos autos,
passou a ser exigível pelo município em que o serviço é prestado e haja
agência, filial ou qualquer unidade econômica ou profissional do
contribuinte”.
“Desse
modo, o fato de haver unidade econômica ou profissional da parte recorrente
em Jaboatão dos Guararapes autoriza aquele Município, em tese, a exigir o
tributo”.
“Em
relação à circunstância de incidir sobre a coleta de material ou sobre a
análise clínica propriamente dita, cabe tecer algumas considerações”.
"Leciona
Geraldo Ataliba que a hipótese de incidência constitui a descrição genérica
e hipotética de um fato. O fato imponível, por sua vez, seria aquele
concretamente ocorrido no mundo fenomênico, empiricamente verificável.
Adiante, esclarece o renomado e saudoso tributarista, ao discorrer sobre o
caráter unitário do fato imponível (Hipótese de Incidência Tributária.
14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 73):”
27.3
Pois, cada fato imponível é um todo uno (unitário) e incindível determina o
nascimento de uma obrigação tributária.
“É
uma unidade lógica, entidade una, somente identificável consigo mesma. Por
mais variados e diversos que sejam os fatos que o integram, como dados ou
elementos pré-jurídicos, o fato imponível como tal – ou seja, como ente do
mundo jurídico – é uno e simples, irredutível em sua simplicidade,
indivisível e indecomponível”.
27.4
Não há, em consequência, dois fatos imponíveis iguais: cada fato imponível
só se identifica consigo mesmo e dá nascimento a uma obrigação distinta.
Cada fato imponível se subsume inteiramente à hipótese de incidência a que
corresponde.
27.5.
Uma hipótese de incidência – enquanto viger a lei que a contém – pode
cobrir milhões de fatos imponíveis. Cada qual será uno e inconfundível com
os demais, por mais acentuados que sejam os traços de semelhança que apresentem
entre si. Ainda quando as circunstâncias de tempo e lugar sejam as mesmas,
bem como os sujeitos e a base imponível, ainda assim, cada fato imponível
é uma individualidade. E nesta individualidade estarão todas as características
previstas hipoteticamente pela hipótese de incidência a que corresponde.
“Por
conseguinte, não há como falar em decomposição do fato imponível”.
“O
ISS recai, em regra, sobre a prestação de serviços de qualquer natureza realizada
de forma onerosa a terceiros. Assim, quando há mera remessa do material
biológico colhido para análise entre outra unidade do mesmo contribuinte
não há fato gerador do tributo, à míngua de relação jurídico-tributária
com terceiros e de onerosidade. A hipótese se assemelha, no que for
cabível, ao enunciado da Súmula 166⁄STJ, verbis:”
“Não
constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um
para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.
“A
função econômica precípua desenvolvida pelo laboratório recorrente não é coletar
material biológico, embora referido serviço constitua hipótese de incidência do
ISS, por se encontrar expressamente previsto na lista anexa à Lei
Complementar 116⁄03, mas sim proceder à sua análise clínica, serviço este
também integrante da lista”.
“Pela
natureza das atividades que desenvolve, o laboratório recorrente compromete-se
a entregar o laudo com o resultado das análises clínicas realizadas a partir do material
colhido. O fato gerador se concretiza com a prestação desse serviço. A mera
colheita, sem a indispensável análise, não tem nenhum sentido. O cliente
paga pelo exame clínico, que vem materializado no laudo que lhe é entregue”.
“Ressalto
que o serviço pode limitar-se à mera coleta de material caso seja necessária
sua remessa a outro laboratório no Brasil ou exterior, possivelmente para
análise por entidade detentora de equipamento mais avançado em termos
tecnológicos. Nesse caso, o fato gerador seria aquele preconizado pelo
item 4.20 (coleta de material biológico) da lista anexa à Lei Complementar
116⁄03, na medida em que a efetiva análise clínica e a feitura do laudo correspondente
caberia a outro contribuinte”.
“No
entanto, no caso dos presentes autos, a unidade da parte recorrente colhe o material
para ela mesma analisá-la clinicamente em outra unidade, situada em município
diverso. O consumidor paga por esse serviço diretamente ou por meio de
plano de saúde, se for o caso. Desse modo, tem-se que o fato imponível,
passível da incidência do ISS, é a análise clínica, de que cuida o Item
4.02 da lista anexa à Lei Complementar 116⁄03”.
“De
acordo com o art. 7º, caput, da referida lei, a base de cálculo do
imposto é o preço do serviço. A divisão da base de cálculo entre os
municípios envolvidos na prestação de serviços é admitida pela lei tão
somente quando o serviço prestado for o correspondente ao preconizado pela
item 3.04 da lista anexa, qual seja, locação, sublocação, arrendamento, direito
de passagem ou permissão de uso, compartilhado ou não, de ferrovia,
rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza, hipótese
diversa da tratada nos presentes autos”.
“Nesse
contexto, a sustentada divisão entre atividade-meio e atividade-fim não se mostra
capaz, por si só, de modificar a competência tributária. Na unidade econômica
ou profissional do contribuinte em que o cliente colher o material, pagar
pelo serviço de análise clínica e receber a nota fiscal será devido o ISS,
pouco importando onde ocorra, por uma questão de organização
administrativa interna, a efetiva análise clínica”.
“Em
resumo, se o contribuinte colhe material do cliente em unidade situada em determinado
município e realiza a análise clínica em outro, o ISS é devido ao primeiro município, em
que estabelecida a relação jurídico-tributária, e incide sobre a totalidade do
preço do serviço pago, não havendo falar em fracionamento, à míngua da
impossibilidade técnica de se dividir ou decompor o fato imponível”.
Neste
diapasão, foi elaborada a ementa do acórdão nos seguintes termos:
EMENTA
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS.
LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS. COLETA DE MATERIAL. UNIDADES DIVERSAS. LOCAL
DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
1. Discussão a respeito da definição do sujeito
ativo do ISS quando a coleta do material biológico dá-se em unidade do
laboratório estabelecida em município distinto daquele onde ocorre a
efetiva análise clínica.
2. "A municipalidade competente para
realizar a cobrança do ISS é a do local do estabelecimento prestador dos
serviços. Considera-se como tal a localidade em que há uma unidade
econômica ou profissional, isto é, onde a atividade é
desenvolvida,independentemente de ser formalmente considerada com sede ou filial
da pessoa jurídica" (REsp 1.160.253⁄MG, Rel. Min. CASTRO MEIRA,
Segunda Turma, DJe de 19⁄8⁄10).
3. Na clássica lição de Geraldo Ataliba,
"cada fato imponível é um todo uno (unitário) e incindível e
determina o nascimento de uma obrigação tributária" (Hipótese de
Incidência Tributária. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 73).
4. O ISS recai sobre a prestação de serviços de
qualquer natureza realizada de forma onerosa a terceiros. Se o
contribuinte colhe material do cliente em unidade situada em determinado
município e realiza a análise clínica em outro, o ISS é devido ao primeiro
município, em que estabelecida a relação jurídico-tributária, e incide sobre a
totalidade do preço do serviço pago, não havendo falar em fracionamento, à míngua
da impossibilidade técnica de se dividir ou decompor o fato imponível.
5. A remessa do material biológico entre
unidades do mesmo contribuinte não constitui fato gerador do tributo, à
míngua de relação jurídico-tributária com terceiros ou onerosidade. A
hipótese se assemelha, no que lhe for cabível, ao enunciado da Súmula
166⁄STJ, verbis: "Não constitui fato gerador do ICMS o simples
deslocamento de mercadoria de uma para outro estabelecimento do mesmo contribuinte".
6. Recurso especial conhecido e não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos
em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA
TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, vencidos os Srs. Ministros
Napoleão Nunes Maia Filho e Sérgio Kukina, negar provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Lavrará o acórdão o
Sr. Ministro Benedito Gonçalves (RISTJ, art. 52, IV, b). Os Srs. Ministros
Benedito Gonçalves e Ari Pargendler votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 06 de novembro de
2014(Data do Julgamento)
MINISTRO
BENEDITO GONÇALVES
Relator
p⁄ Acórdão
(RISTJ,
art. 52, IV, b)
Como
se observa, e em que pese à colenda decisão da 1ª Turma do STJ, é certo, que o assunto
está longe de ser pacificado e faço coro aos votos vencidos dos ministros
Napoleão Nunes Maia Filho e Sérgio Kukina ao relembrarem o leading case sobre “leasing”
julgado pela Corte Superior do STJ consubstanciado no REsp 1.060.210⁄SC.
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